CRISTINA PALMAKA – É formada em Ciências Contábeis pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), com pós-graduação e MBA pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e extensão pela Universidade do Texas. Começou a carreira na Philips, onde trabalhou por 15 anos até 1999, nas áreas de desenvolvimento de produto, marketing e vendas. Em 2000, foi contratada pela HP, onde respondeu por Consumer Business na América Latina. Permaneceu nove anos na companhia, até ir para a SAP, em 2009, como vice-presidente comercial. Entre 2010 e 2013, atuou na Microsoft como diretora para negócios para indústria de computadores e também consumer channels group. Em outubro de 2013 retornou à SAP como presidente.

Com uma longa e bem-sucedida trajetória na indústria de tecnologia, que inclui Philips, HP e Microsoft, Cristina Palmaka iniciou, em outubro de 2013, sua segunda passagem pela SAP. Desta vez como presidente, a executiva foi contratada para conduzir a operação brasileira, uma das principais da empresa no mundo, na jornada de transformação digital. E o grande case para promover esse trabalho é o da própria companhia. “Saímos de ser uma empresa que olhava só o backoffice, para trazer um composto de soluções que ajudam as companhias em todos os seus desafios dessa transformação”, afirma. Nesse período, Cristina e seu time trouxeram para o Brasil todas as soluções da SAP em nuvem, a plataforma de inovação Leonardo (batizada em homenagem a Leonardo da Vinci) e mais que dobrou o SAP Labs Latin America, localizado em São Leopoldo (RS), onde já tem mais de mil desenvolvedores. Com mais um investimento de R$ 120 milhões, o laboratório ganhará outro prédio no Parque Tecnológico da Unisinos. No mundo, a companhia aportou mais de US$ 20 bilhões em aquisições, além do montante destinado ao desenvolvimento interno. O objetivo: garantir que seus clientes tenham perenidade. “Mais importante do que a plataforma ser robusta e estável, é sempre olhar o que o cliente precisa e para onde o mercado está indo. Esse é nosso maior valor agregado”.

Por FERNANDO MURAD – fmurad@grupomm.com.br
Fotos: ARTHUR NOBRE

 

Meio & Mensagem — Você acaba de completar cinco anos na presidência da SAP. Que balanço faz desse período?

Cristina Palmaka — Não foram os cinco anos mais interessantes de mercado, mas, particularmente para a SAP, no mundo e no Brasil também, foi um momento de grande transformação. Nos últimos dez anos, a SAP decidiu que ia liderar a transformação digital. Saímos de ser uma empresa que olhava só o backoffice, o ERP, para trazer um composto de soluções que ajudam as empresas em todos os seus desafios dessa transformação. Foram mais de US$ 20 bilhões investidos em aquisições, fora o nosso próprio desenvolvimento. Repaginamos o ERP, criamos uma nova plataforma que chamamos de Core Digital, revitalizamos nosso backoffice e fizemos aquisições na parte de RH, e-commerce. A SAP não tem a estratégia de comprar market share, mas sim de complementar o portfólio com quem é o melhor e/ou desenvolver internamente. O ERP representa mais ou menos um terço do nosso faturamento mundial. As demais áreas têm tomado um papel fundamental para continuarmos crescendo, sendo relevantes e atingindo o posicionamento que temos. E a minha missão é trazer isso para o mercado brasileiro. Temos uma grande vantagem de o Brasil ser uma das principais subsidiárias da SAP. Todas as soluções que temos lá fora, temos aqui, localizado, com as nuances necessárias, seja do ponto de vista de impostos, localização, idioma, fiscal. Trouxemos todas as soluções em nuvem para o Brasil. Mais do que dobramos o laboratório que temos lá em São Leopoldo (RS), onde já temos mais de mil desenvolvedores. Anunciamos a expansão (investimento de R$ 120 milhões) para os próximos anos para chegar a 1,8 mil funcionários lá no Parque Tecnológico da Unisinos. Continuamos investindo no Brasil e sendo relevantes não só onde já éramos muito fortes, que eram nas grandes contas. Começamos a entrar no segmento de pequenas e médias para as quais oferecemos soluções em nuvem que trazem muita simplificação. A simplificação que a oferta do cloud propicia é bem disruptiva. Facilidade da implementação, ciclos mais curtos, diferentemente daqueles projetos longos que tínhamos com grandes investimentos e que o retorno demorava muito tempo. Tudo isso vem do Leonardo, nossa plataforma de inovação.

M&M — Como surgiu o Leonardo?

Cristina — A SAP já tem trabalhado nas plataformas de inovação há algum tempo. O Leonardo foi lançado em março de 2017 no mundo e chegou ao Brasil em setembro do mesmo ano. Tínhamos projetos de IoT (internet das coisas, na sigla em inglês), de machine learning, e cada um tinha um nome. Na SAP adoramos dar nomes complicados (risos). Agora está melhorando. Tínhamos esses vários projetos, mas pensamos que ninguém iria comprar partes e peças. Para o cliente, tanto faz se chama Leonardo ou qualquer que seja o nome. Fomos felizes pelo conceito de ser disruptivo, trazer ideias e remeter a Leonardo da Vinci que, no seu momento, foi totalmente disruptivo com ideias impensadas, que agora parecem muito óbvias. Trouxemos essas tecnologias emergentes juntas com um conceito de causar um impacto não planejado. Foi uma estratégia global e fomos felizes de consolidar tudo isso numa mesma caixinha, mas vamos explorando e extrapolando o Leonardo. Os projetos de inovação estão todos dentro do Leonardo, mas o que aprendemos aqui, trazemos de volta para o ERP, o Success Factors (conjunto de solução para RH), para o SAP Ariba (plataforma de compras). Estamos fazendo mecanismos de blockchain porque estamos olhando a network de dados, fornecedores que estão fazendo negócios em cima de plataformas, é mais de US$ 1 trilhão que circula nessa rede (77% do PIB global passa por sistemas SAP), é a maior network do mundo, maior que Alibaba, Google. O nome foi feliz e estamos colhendo coisas bem bacanas. Mas estamos só começando. Temos o pipeline bem grande de projetos do Leonardo.

“Saímos de ser uma empresa que olhava só o backoffice para trazer um composto de soluções que ajudam as empresas em todos os seus desafios dessa transformação”

M&M — A transformação digital está na pauta das principais empresas do mercado. Como tem sido a atuação da SAP nesta frente de negócios?

Cristina — O primeiro caso é a nossa própria transformação. É o nosso melhor exemplo. Como uma empresa de basicamente um produto só, que é o ERP, pode ser multiplataforma, nuvem, on premise, o que você quiser, em qualquer nuvem, na nossa, na nuvem dos parceiros, dos nossos competidores, além de ser uma empresa complexa, mas completa? Utilizamos todas as nossas ferramentas. Para RH, por exemplo, nosso melhor grande cliente somos nós mesmos. Somos mais de 90 mil funcionários, com toda a solução rodando em 180 países, com todas as suas diversidades. O segundo ponto é que, hoje, já temos uma participação muito grande dentro do que é mais relevante nas companhias: temos por volta de 70% a 80 % do share das grandes companhias rodando em cima de uma solução SAP. Os dados e informações relevantes dessas empresas já estão rodando em SAP. Temos o conhecimento e podemos ajudá-las ainda mais agora que temos um portfólio mais completo. Não só do ponto de vista de conhecer o negócio, a SAP olha as empresas pelo seu segmento, tenta conhecer as tendências, oportunidades e desafios, e como a tecnologia pode ajudar. Esse é um dos diferenciais. O segundo é a integração nativa das novas soluções, não precisar ficar replicando dados para cada solução. Isso é um grande benefício de integração e de disrupção de dados. Mais importante do que a plataforma ser robusta e estável, é sempre olhar o que o cliente precisa, para onde o mercado está indo. Para isso, usamos muito os benchmarks que temos ao redor do mundo. Como posso te ajudar a não desaparecer, para você continuar a ser relevante? É assim que achamos que podemos agregar, mais do que com a tecnologia em si, que é só um habilitador. Esse conhecimento que preservamos fortemente e colocamos à disposição dos clientes nessa conversa, nessa troca, para garantirmos que eles tenham perenidade. Esse é nosso maior valor agregado para os clientes.

M&M — Quais são as principais áreas de negócio da companhia?

Cristina — No Brasil, não divulgamos os números, infelizmente, mas temos crescido de forma acelerada nos diferentes negócios, principalmente em nuvem, nos últimos três anos. Nos primeiros anos, crescia rapidamente, três, quatro, dígitos, porque a base era pequena, mas, fazendo isso sistematicamente, dobramos a base de nuvem nos últimos dois anos. É uma das áreas que mais têm crescido. O ERP ainda é importante porque tem muitas empresas no Brasil, principalmente as pequenas e médias, que estão começando a se estruturar, a olhar que a governança é um fator importante para ser competitivo, para expandir, para ir para um IPO. O ERP tem um componente bem interessante de crescimento nessa faixa de mercado. Temos crescido este ano espetacularmente na parte de customer experience, de e-commerce e toda essa multicanalidade. Vários clientes estão olhando isso com um grande diferencial. Têm empresas que nem têm o ERP, mas que já são clientes nossos em customer experience. Para nós é uma quebra de paradigma: o ERP era a porta de entrada. Depois o cliente comprava RH e outras soluções. Meu maior desafio está justamente nessa plataforma do cliente, que é a coisa mais importante, esse conceito de multicanalidade. É entender o que é importante para o cliente, e como que a tecnologia vai ajudá-lo nos desafios. Essa é a transformação que temos passado, e temos exemplos muito bacanas aqui no Brasil.

M&M — Qual é a importância da operação brasileira para a SAP no mundo?

Cristina — O Brasil já foi a terceira operação do mundo para a SAP. Está sempre entre as dez principais. Esse é um número relativo porque depende da posição dos outros, mas o País tem mostrado sua relevância. O Brasil é a única subsidiária no Hemisfério Sul que tem um laboratório — atende a América Latina. Temos o SAP Labs Latin America desde 2006. Em 2013, duplicamos o laboratório, e agora estamos indo para a terceira fase de expansão. A companhia poderia investir aqui ou em qualquer outro lugar no mundo, e isso mostra que é um investimento, de fato, no Brasil, no capital intelectual que está aqui. Esse é o maior exemplo da relevância do Brasil. Nosso CFO mundial (Luka Mucic) é o principal executivo que nos apoia nos nossos crescimentos. Na transformação de nuvem, demoramos um pouco. Quando começamos a realmente acelerar, nossos clientes começaram a ver o benefício, e estamos muito bem posicionados nas nossas receitas de nuvem. No que tange à inovação, de quatro exemplos mundialmente reportados no Sapphire Now (maior evento anual da SAP), dois são do Brasil (Vale e O Boticário). Isso mostra que não tem mais barreira para inovação. O Brasil tem, às vezes por necessidade, que achar formas diferentes de endereçar um problema, mas tem essa criatividade de trazer novas visões sobre problemas e os clientes são muito abertos. As startups têm nos ajudado muito. Um dos exemplos que tivemos no SAP Forum (realizado em setembro) foi a plataforma Laura (robô hospitalar equipado com computação cognitiva que faz parte do SAP Open Ecosystem Build, comunidade aberta para parceiros desenvolvedores). Temos 30 ­startups e um número crescente para aportar possibilidades tecnológicas para eles crescerem, expandirem e conectarem com nossos clientes. Às vezes um cliente fala que quer uma startup que ajude num problema específico, vamos lá e olhamos na nossa network quem está mais próximo e pode ajudar. Acabamos fazendo essas conexões em cima de plataformas SAP.

M&M — A SAP tem 45 anos, o que é bastante tempo neste universo de tecnologia. Como a empresa enfrenta o desafio de se manter atualizada?

Cristina — A SAP tem uma história bem interessante. Cinco funcionários saíram da IBM e montaram a SAP. Naquele momento, fizeram algo disruptivo, que foi estruturar a forma como as empresas faziam negócios, geriam suas operações, a parte financeira. Esse é o core da SAP, que tem um caminho de reinvenção, de nunca estar numa zona de passividade. Temos um conceito que chamamos de melhores práticas: se você está fazendo alguma coisa e tem outras formas de fazer melhor, o software está sempre se atualizando, não só por aquilo que desenvolvemos, mas por aquilo que aprendemos com nossos clientes. Esse conceito está sempre sendo incorporado, abastecendo e realimentando o nosso software. Essa sempre foi a base desde a época mais tradicional do ERP, dos modelos de licenciamento tradicional. Quando vamos para a nuvem, isso é muito mais acelerado, fazemos atualização de produto pelo menos uma vez por trimestre. Há dez anos, a SAP estava superbem, fazendo seu ERP, e questionou: ou encontramos outro caminho ou podemos desaparecer, ser incorporados por outra companhia. A SAP decidiu sair. Primeiro, refez o ERP. Foi quando lançamos uma plataforma de dados e memória que é o Hana, que é a base de todas as nossas soluções. Temos ainda um dos cofundadores (Hasso Plattner) muito ativo. Há dez anos, ele saiu do conselho para focar no desenvolvimento dessa nova base de dados. Isso abriu um monte de possibilidades para reinventarmos o ERP, de fazer outras soluções mudando a forma como os dados se comunicam. Foi extremamente revolucionária a forma de olhar dados em tempo real. Faz dez anos que estamos nessa jornada de transformação, e as aquisições só vieram complementar o portfólio. Pesquisa e desenvolvimento são nosso oxigênio. A SAP não faz aquisições para ganhar market share, faz para complementar o portfólio. Essa solução que compramos agora (Gigya) só para a parte de gestão de dados do consumidor é uma solução que complementa outro switch maior de todo esse conceito de customer experience. Quando colocamos o cliente genuinamente no centro, todas as decisões parecem bem óbvias. Mesmo que não sejamos sempre perfeitos e isso é um fato, quando você tem o cliente no centro, consegue endereçar e resolver o problema bem rápido e depois ver onde poderia ter feito diferente. Essa é a mentalidade que tem que permear a organização.

“Mais importante do que a plataforma ser robusta e estável, é sempre olhar o que o cliente precisa, para onde o mercado está indo. Para isso, usamos muito os benchmarks que temos ao redor do mundo. Como posso te ajudar a não desaparecer, para você continuar a ser relevante?”

M&M — Em relação ao marketing, há correntes que defendem que o B2C e o B2B devem dar espaço ao business to human. Como a SAP trabalha?

Cristina — Somos primordialmente B2B. Não vendemos para um cliente final, vendemos para os nossos clientes serem empresas melhores para atender o seu cliente na ponta. O mundo é melhor porque as empresas fazem desse mundo um lugar melhor. O mundo é feito de empresas. Quem pode resolver os problemas são empresas de todos os segmentos, grandes, pequenas, startups. O business pode endereçar, sim, os grandes problemas que temos ou trazer grandes soluções. Se ajudarmos essas empresas a serem melhores, ajudamos o mundo a ser um lugar melhor. É o racional da nossa campanha (a Rapp é a agência da SAP). Por isso, achamos que as melhores empresas acabam rodando em cima da SAP. Essa é a nossa missão: fazer com que as empresas tragam o melhor para os seus clientes. As grandes empresas, como nós, estão olhando o B2B tão preocupadas em saber quem que é o seu cliente final. Temos empresas, por exemplo, de celulose, puramente B2B, mas que começam a ficar preocupadas com quem é o cliente lá na ponta e como é que eles vão ter relevância. Quantas empresas B2B estão fazendo campanha de posicionamento na TV? Várias, um monte. Por quê? Todo mundo quer ser relevante, não quer ser só mais um. Como é que o seu produto, mesmo que não esteja na prateleira, acaba impactando e sendo consumido de diferentes formas, seja no aço, no alumínio, no cimento, o que for, no final do dia, tem uma preocupação com a natureza, sustentabilidade, como fazer desse país um lugar melhor. Essa melhora do País passa por empresas mais sérias, éticas e sustentáveis, e é aqui que temos um papel fundamental. É assim que temos nos posicionado, para ajudar essas empresas serem melhores.

M&M — A diversidade é um tema que tem sido cada vez mais discutido no ambiente corporativo. Como lida com essa questão na prática na SAP?

Cristina — NA SAP, temos 33% de mulheres no nosso corpo de profissionais, 27% em cargos de liderança. Isso é uma coisa importante. Temos duas mulheres no board (Jennifer Morgan, presidente Américas, Ásia-Pacífico e Japão, e Adaire Fox-Martin, responsável pelas operações globais de clientes) e estão ativamente por seus méritos. Na minha cadeira, minha função é garantir que tenhamos um ambiente inclusivo. A diversidade às vezes é fácil. O problema é garantir que a companhia esteja aberta à inclusão de fato. Não adianta trazer uma pessoa diversa e dizer que aqui se faz assim, perde toda a diversidade naquele momento. Não é só gênero. A SAP tem um DNA, talvez por estar em 180 países, muito globalizado. Por aí já temos uma diversidade cultural enorme. Olhamos a diversidade de forma mais ampla, é até um conceito de interseccionalidade, que é olhar a combinação das diferenças. Temos cinco gerações convivendo ao mesmo tempo na SAP. A comunidade LGBT+ na operação do Brasil é a maior que a SAP tem no mundo. Temos um grupo que toma conta disso e uma campanha bem ativa. Começamos agora com inclusão racial. No Brasil é um fator importante, talvez estejamos nos estágios iniciais, estamos aprendendo onde achar talentos de diferentes etnias para compor nossa força de trabalho. Temos 11 autistas na SAP Brasil que também ajudam a complementar de forma fantástica pela competência. Não temos cota, temos ambições de aumentar e ter essa diversidade acontecendo, mas isso traz um impacto não só para esses 11 que estamos dando oportunidade de emprego, mas para toda a comunidade, porque fazemos todo um treinamento de como receber, como fazer a entrevista de autista. Diversidade é isso: diversidade de ideias. Temos um grupo bastante sólido, com background e experiências diferentes. Minha missão é garantir esse ambiente inclusivo, dando espaço para todo mundo falar, se expressar, da forma como é. Temos um transgênero que fez a cirurgia há vários anos e que tinha contato com clientes. Foi um excelente aprendizado. Agora está todo mundo falando de diversidade, mas não pode ser por modismo. Falamos disso há muito tempo.

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