Por ISABELLA LESSA ilessa@grupomm.com.br

O diagnóstico de uma doença nunca foi tão fácil de se obter. Ao sentir algum desconforto, antes mesmo de agendar a consulta médica, os dedos passeiam pelo teclado em um ímpeto quase irrefreável. Google, sintomas, buscar. E entre as dezenas de resultados que pulam na tela, os mais drásticos parecem sempre ser os mais prováveis. Grupos criados por e exclusivamente para mulheres no Facebook que discutem métodos contraceptivos e tratamentos naturais para problemas ginecológicos e de pele, para citar alguns, concentram milhares de usuárias. Esses exemplos, ainda que possam não valer para todas as pessoas com acesso à internet, tornaram-se hábitos corriqueiros para muitos.

A demanda por informações sobre saúde no digital, acompanhada pela evolução do interesse do consumidor por bem-­estar e, consequentemente, por soluções que atendam às suas necessidades, compõem um cenário que está impulsionando a indústria farmacêutica como um todo. Segundo o relatório Prosumer Report — “Taking healthcare to the next level”, publicado pelo Grupo Havas, mais de 60% de 9.447 entrevistados de 27 países, Brasil incluso, estão dispostos a compartilhar informações pessoais relacionadas à saúde com as companhias farmacêuticas. Realizado entre fevereiro e março deste ano, o levantamento faz um contraponto ao fato de as pessoas estarem preocupadas com segurança de seus dados nas redes sociais — o já citado Facebook, ­aliás, é o ambiente onde 16,68% dos participantes do estudo disseram sentir-se mais confortáveis em discutir seus problemas pessoais de saúde. No Brasil, esse número cresce para 20,21%.

Grupo RD lançou a Compre e Retire, facilidade que possibilita compra no site ou no app, que lê o estoque nas lojas mais próximas ao usuário, e o produto fi ca disponível em até uma hora para retirada

No entanto, o acesso a múltiplas fontes de informação abriu um terreno que mais parece ter dimensões de um buraco negro para as fake news. Diante de tantos possíveis diagnósticos para seus sintomas, os consumidores podem se confundir ainda mais, o que impõe um desafio ao setor. Outro lado — mais benéfico — da revolução digital é o avanço de wearables que acompanham as pessoas 24 horas por dia, apps que controlam atividade física e alimentação, plataformas de telemedicina e inteligência artificial. A tecnologia está tão impregnada na rotina de saúde das pessoas que, aproximadamente metade dos respondentes revelou usar pelo menos um aplicativo ou dispositivo para monitorar a saúde, o que evidencia que além de estar mais munido de informações, o consumidor requer mais autonomia para acompanhar a própria saúde.

Em análise regional feita pela Havas Life para o Meio & Mensagem, o Prosumer Report aponta que os brasileiros são ainda mais engajados do que outras nacionalidades em relação ao uso de dados e tecnologia pelas empresas do setor: 81% dos respondentes locais acredita que, no futuro, tecnologia e dados irão prevenir e agir para evitar doença. No restante dos mercados consultados, essa média é de 64%. E 72% gostariam de consultar seus médicos remotamente com a ajuda da tecnologia, ante 62% da média mundial. A prevenção e a valorização dos hábitos saudáveis são características mais expressivas nos consumidores do Brasil (83% e 68%, respectivamente) do que no público dos demais países (64% e 60%). A análise Digital Health Consumer, da Euromonitor, corrobora essa tendência de que os consumidores estão mais propensos a disponibilizar dados e que, portanto, as empresas do setor devem ter habilidade para aparecer nas buscas mobile antes mesmo de o comprador entrar na loja, além de engajar no pós-compra.

Conveniência e experiência

Essa realidade não passa despercebida às empresas do varejo farmacêutico, que em 2018 concentraram esforços de investimento em aprimorar a conveniência para seus clientes, ao mesmo tempo que miram a meta maior de se firmarem como partes indispensáveis do bem-estar dessas pessoas. Farmácia 100% digital, a Netfarma focou a experiência do usuário ao investir, ao longo de 2018, em inteligência. Com o intuito de entender ainda mais as preferências do cliente e passar a oferecer soluções que conversem com essas demandas pessoais, além de expandir e agilizar a oferta de frete, a empresa estruturou um time de business intelligence para dedicar-se a analisar mapas de calor, perfis de navegação e consumo para descobrir quais as maiores propensões dos clientes. Um dos achados a partir desta ênfase maior em BI foi a constatação de que o melhor mês de vendas de protetores solar foi maio, e não dezembro nem janeiro, meses em que a exposição aos raios solares atinge seu ápice. “Oitenta por cento do nosso público é feminino e adquire produtos de proteção solar não somente no verão”, observa Walter Cardoso, CEO da Netfarma.

Para melhorar a experiência de compra de medicamentos, o e-commerce fez parceria com laboratórios, movimento que contribuiu no aumento da conversão do ticket médio em 30% em relação ao ano passado, chegando a R$ 140. Segundo Cardoso, o nível de excelência de atendimento também melhorou, posicionando a Netfarma como única empresa do segmento a conquistar o prêmio e-bit e classificação no RA1000 do Reclame Aqui.

Apesar de considerar que a marca hoje não possui concorrentes diretos, Cardoso enxerga na Onofre e na Drogaria São Paulo uma proximidade no modo de operar. Varejistas do universo físico, as redes farmacêuticas também estão dando passos largos em direção ao digital, sem, porém, frear a expansão de suas lojas. A Onofre, por exemplo, expandiu em 20% o número de lojas físicas em relação ao ano passado. Até dezembro, a empresa abrirá três pontos de venda. Segundo a CEO Elizangela Kioko, a companhia vê na tecnologia um meio para entregar soluções que possam melhorar a vida do cliente. No próprio PDV, em lojas cujo tráfego é mais expressivo, a Onofre conta com um robô assistente que agiliza o atendimento do farmacêutico, além de o aproximar do comprador, pois não precisa ir para o estoque buscar o produto — o robô faz isso por ele. Além disso, há a opção de self check out e check out móvel, que já representam mais da metade das opções transacionais nas lojas que contam com as duas alternativas. “A gente tem uma proposta de valor para o cliente que mescla o mundo físico e digital, 45% do nosso negócio hoje vem do digital. Fomos precursores no e-commerce, lançamos o site em 2000, quando ninguém falava nisso”, ressalta a presidente (veja a entrevista nas páginas 62 a 64).

Controlada pela gigante global CVS, a rede Onofre expandiu em 20% o número de lojas físicas em relação ao ano passado e, até dezembro, planeja abrir mais três pontos de venda

Estratégias agressivas

Tanto o crescimento físico da Onofre quanto o do Grupo RD, que agrupa as redes Raia e Drogasil, que até junho de 2018 abriu 106 unidades, têm ocorrido em um cenário de abertura de novas redes populares, o que ocasiona a agressividade nos preços dos produtos, além da entrada na indústria farmacêutica da Amazon, que em junho comprou o e-commerce farmacêutico PillPack por US$ 1 bilhão, o que alertou os varejistas, de certa forma, a acelerarem suas escaladas no digital para garantir o acompanhamento da jornada do consumidor em todas as suas etapas. O envelhecimento da população brasileira também desempenha um papel importante no desempenho do setor, que pode vir a se tornar o quinto maior no ranking mundial, de acordo com a IMS Health —hoje, o Brasil ocupa o sexto lugar.

Somente neste ano, o Grupo RD, que agrupa as redes Raia e Drogasil, abriu 106 unidades até junho

As drogarias e farmácias ainda correspondem a 83% do valor de varejo das vendas em 2018 no Brasil, mas, de fato, o share tem crescido de maneira mais lenta devido à ascensão do e-commerce, aponta o Euromonitor. As vendas de produtos de saúde pela internet devem crescer 18% este ano, graças aos preços inferiores aos das prateleiras das lojas físicas. Nas farmácias físicas, em contrapartida, as vendas devem subir 7%. De acordo com a análise, as perdas de share estão levando as redes a estabelecer

Bertoncini, do RD: “massa dos consumidores ainda não está no online para compra de medicamentos”

estratégias agressivas, oferecendo descontos maiores, por exemplo.

Especificamente para o RD, que mostra uma similaridade com os valores de Onofre, o foco é a priorização da conexão emocional com os clientes e serviços convenientes. Vitor Bertoncini, diretor de marketing do RD, conta que, mirando um problema mundial de abandono de tratamentos que resultam no desperdício de US$ 3 trilhões anuais, a empresa lançou, ainda no primeiro semestre deste ano, o Programa de Uso Contínuo. Devido a fatores como preço do medicamento, desaparecimento dos sintomas durante o tratamento, esquecimento da ingestão das doses diárias, 50% das pessoas, em média, abandonam seus tratamentos. Mediante cadastro, o programa lembra o usuário de comprar a medicação, além de oferecer conteúdo sobre a doença e seus sintomas e o desconto progressivo. “Esses três elementos juntos têm ajudado as pessoas a não interromperem seus tratamentos. Não se trata somente de oferecer lembretes e descontos, mas de mais qualidade de vida. Não estou aumentando a venda do medicamento, mas ajudando um avô a ver seu neto se formar”, diz. Para concretizar esse serviço, a empresa se apoia majoritariamente em CRM, com apoio das empresas Dunnhumby e Ibopedtm. Em mais de 30 de suas lojas, a Onofre implementou a Onofre Clinic, clínica especializada em assistência farmacêutica, que inclui serviços como teste de glicemia, aferição de pressão e aplicação de vacinas. Também neste ano, o Grupo RD lançou a Compre e Retire, uma facilidade que possibilita a compra no site ou no app, que lê o estoque nas lojas mais próximas ao usuário, e o produto fica disponível em até uma hora para retirada.

Da esquina para o online

Além de acelerar e qualificar o atendimento aos clientes, seja no online ou no PDV, as redes têm diante de si o desafio de fazer com que o público cultive cada vez mais o hábito de comprar medicamentos online. “Varia muito por bandeira. Na Ultrafarma, na Onofre, na Netfmarma a participação é alta, que são players que nasceram no online ou focaram suas estratégias no meio. A massa dos consumidores ainda não está no online para a compra de medicamentos e um dos motivos é termos cerca de 70 mil farmácias no Brasil”, avalia Vitor.

Hoje, 70% das vendas da Netfarma ainda residem em produtos de perfumaria e cosméticos, mas o site prevê que essa participação diminua para 60% até o final do ano que vem, devido à alta de vendas de medicamentos. “A cada esquina há uma farmácia física, esse é um grande atrativo. As grandes redes têm feito um movimento pequeno, mas eficiente para o e-­commerce, mas a compra de medicamentos online vai ser gradual, assim como ocorreu com o turismo”, diz Walter. De acordo com o Euromonitor, ao redor do mundo, vitaminas e suplementos ainda predominam nas compras online dos consumidores.

Tal qual as grandes redes do mercado, como Onofre, Raia e Drogasil, para a Net­farma, a estratégia de comunicação passa longe da TV. No ano passado, a Netfarma investiu R$ 1 milhão em uma campanha publicitária para a Black Friday e para a Cyber Monday, com estreia na TV aberta e desdobramentos nas redes sociais, criada pela Pullse. No começo deste ano, porém, a empresa resolveu dar continuidade às suas ações publicitárias internamente. “A gente entendeu que dar o passo para ter uma agência fixa iria consumir um investimento alto para nossa reali­dade”, conta Walter.

A decisão também tem a ver com os planos da marca de se tornar um market place até o segundo semestre de 2019, o que significa que vai deixar de ser online para ser uma plataforma com loja conectada a outras marcas, o que se dará por meio da integração com outras redes de farmácias. Neste ano, a estratégia de marketing, ainda que com orçamento mais modesto, atendeu aos objetivos de negócio da empresa. Por meio de parcerias como Cabify, Espaço Laser e Giuliana Flores, que consistiam em benefícios e vantagens para o cliente Netfarma, o tráfego direto orgânico do site aumentou em mais de 50% nos últimos seis meses.

ANÁLISE

Drogarias enfrentam desafios de varejistas da internet no Brasil

Quando comparado a outras indústrias analisadas pela Euromonitor International, o segmento de consumer health foi um dos poucos a permanecer em uma trajetória positiva durante a crise econômica brasileira, com expectativa de crescimento nas vendas de varejo em 7,4% em 2018. No entanto, os brasileiros se tornaram mais racionais no que diz respeito às suas compras, muitas vezes optando pelos medicamentos genéricos. Esta situação foi observada em muitas categorias, sendo as de OTC (de venda livre, sem necessidade de prescrição médica) e de produtos de nutrição esportiva as mais afetadas.

Enquanto as farmácias ainda respondem por 83% do valor de vendas no varejo de produtos do setor de consumer health em 2018, o canal teve dificuldades em aumentar sua participação nos últimos dois anos devido ao aumento no número de consumidores que compram online. As vendas do setor de consumer health via e-commerce devem crescer 18% este ano graças aos preços mais acessíveis do canal, quando comparados aos dos varejistas baseados em lojas físicas. As vendas em drogarias, em contraste, devem crescer 7%.

As preocupações com a perda de participação entre as principais redes de drogarias levaram muitas a implementar estratégias agressivas, incluindo oferecer descontos maiores em medicamentos e outros itens. Os consumidores se beneficiam dessa situação.

Por Elton Morimitsu, analista de Beleza & Saúde da Euromonitor International

Prescrição eletrônica

Uma das possíveis mudanças regulatórias capazes de impulsionar ainda mais a indústria farmacêutica é a aprovação da prescrição eletrônica, em vias de ser aprovada oficialmente pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde. A armazenagem em um ambiente de cloud que pode ser acessado por médicos e pacientes potencializaria a circulação de dados de 200 milhões de smartphones de brasileiros e contribuiria para a adoção da compra de medicamentos pela internet.

Na visão de Diego Freitas, co-managing director e ECD da FCB Health Brasil, o mercado de saúde passa por constantes autoanálises e as mudanças implementadas nos últimos anos justamente tentam proteger o paciente para que ele não seja um consumidor, simplesmente. “Um ótimo exemplo é o caso dos antibióticos, onde foram criados processos mais rigorosos de compra e venda na tentativa de evitar a resistência microbiana. A própria entrega de amostras, prática comum há décadas, é uma ave cada vez mais rara nos grandes laboratórios. Hoje em dia qualquer afirmação de um medicamento precisa ser fundamentada em uma verdade científica. Isso tudo funciona como uma enorme garantia de qualidade na informação, mas ao mesmo tempo afasta qualquer possibilidade de interesse espontâneo de quem não é um profissional da saúde”, afirma.

Zé Roberto Pereira, da Havas Life, e Diego Freitas, da FCB Health: evolução na relação com médicos e maios proteção ao paciente

Nesse sentido, o digital representa, assim como para muitas outras indústrias, a revolução na comunicação de healthcare, afirma o criativo. “Podemos usar a mesma rede social onde você acompanha o Palmeiras ou o Cruzeiro para falar de vacinação. Posso ter uma campanha totalmente provocadora, que gera conhecimento e ação, sem perder o foco no tratamento. Posso desburocratizar a informação e a saúde sem perder credibilidade. E se a saúde é um direito universal, a informação a ela também pode ser”, analisa.

Além da comunicação provocadora no sentido criativo e eficiente de se comunicar uma mensagem sobre um assunto sério, as agências dedicadas ao tema também estão investindo no potencial dos dados para identificar pessoas que possam ter doenças raras, como é o caso da unidade Havas Encore, nos Estados Unidos, que utiliza o cruzamento de dados para mapear esses casos. “Assim como as empresas da indústria estão acelerando soluções nesse sentido, as agências têm de acompanhar a evolução do mercado e trazer soluções robustas, sempre pensando na relação com o médico de forma respeitosa e inteligente”, frisa Zé Roberto Pereira, CSO e manager director da Havas Life.

Metodologia

A Euromonitor International é uma empresa global de pesquisa e consultoria sobre o mercado de bens de consumo e serviços. Com sede em Londres, tem mais de 40 anos de atuação no fornecimento de inteligência de negócios e análise estratégica de mercado para empresas em todo o mundo. Oferece soluções de pesquisa customizada e publica anualmente informações sobre desempenho e tendências de 30 setores em até 100 países, além de agregar dados demográficos e socioeconômicos de países e consumidores em 210 países.

Mais informações em: www.euromonitor.cominfo-brazil@euromonitor.com

 

Nota: Considerando valores em dólar com taxa de câmbio fixas de 2017; os dados para 2018 são uma previsão com base em informações preliminares Fonte: Euromonitor International, Retailing Ed201

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