Por LUIZ GUSTAVO PACETE lpacete@grupomm.com.br
No início de outubro, McDonald’s e Burger King protagonizaram, por meio de ações de marketing, situações que ilustram que, no mercado de alimentação fora do lar, preço e promoção não bastam. O primeiro iniciou uma nova fase de sua campanha “Portas abertas” onde, com a ajuda do youtuber e ex-funcionário Phellyx, a marca mostra a cozinha e os processos de seus restaurantes. Conservadora em muitos aspectos, como descreve David Grinberg, diretor de comunicação corporativa do McDonald’s Brasil, por vezes a marca deixou de tratar de assuntos importantes e entrar nas conversas. “Nós sempre trabalhamos muito bem a comunicação de produtos, mas deixamos de tratar de temas, muitas vezes, porque eles eram tabus, e isso não existe mais”, garante.
Conhecido por suas estratégias irreverentes, o Burger King lançou, no dia 30 de setembro, uma campanha durante o debate presidencial que ocorreu na Record explicando aos consumidores os riscos de votar branco e nulo. “Considerando nossa responsabilidade como marca, de gerar conversas, identificamos que era importante falar sobre esse assunto e nos posicionar explicando para as pessoas o que acontece quando se vota nulo e branco. E quando falamos sobre hackvertising, tem muita relação com esse tipo de ação. Entrar na conversa como marca e ter uma opinião”, diz Ariel Grunkraut, diretor de vendas e marketing do Burger King Brasil. Os dois casos ilustram o desafio das marcas que estão no topo em equilibrar uma comunicação que envolve causas e conversas com o lado prático dos preços e promoções.
Fernando Cardoso, head de foodservice da AGR Consultores, explica que o foodservice está retomando um ciclo de crescimento que ficou estagnado pelo contexto econômico no Brasil. Para ele, neste contexto, posicionar-se como marca é de extrema importância. “Com o início do ciclo da crise atual durante o segundo semestre de 2014, iniciou-se uma ampla guerra de preços entre Burger King e McDonald’s seguida pelos demais concorrentes. O ano de 2015 foi muito difícil para os operadores de restaurantes, pois reuniu fatores para a tempestade perfeita: queda do volume de transações e do ticket médio pelos descontos promocionais e inflação pressionando a estrutura de custos”, explica. Cardoso aponta, no entanto, que o cenário começou a mudar no ano passado. “Um novo ciclo de recuperação lento e gradual, mas que indica o retorno no Brasil de uma tendência global de crescimento do segmento da alimentação fora do lar”, afirma.
Nos últimos 15 anos, segundo dados da própria AGR, o setor vinha crescendo de forma relevante. Em 2002, a participação da alimentação fora do lar na economia era de 24%. Em 2017, chegou a 34%. Nos Estados Unidos, em 2017 o segmento, pela primeira vez, atingiu 51% do total do mercado. “No Brasil, podemos esperar para os próximos anos o retorno do crescimento da alimentação fora do lar sendo impulsionada pelas macrotendências de hábitos dos consumidores jovens, participação da mulher no trabalho, conveniência e novas ofertas. A velocidade desta retomada será ditada pelo nível de renda da população e queda do desemprego. Podemos esperar que, em até cinco anos, o segmento de alimentação fora do lar supere os 40% de participação do mercado de alimentos”, projeta Cardoso.
Concorrência acirrada
De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), em 2004, o consumidor gastava com alimentação fora do lar no Brasil o equivalente a 25,4% do seu orçamento total. Em 2010, essa participação subiu para 31,2% e, em 2017, para 34,5%. “Trata-se de um mercado que, no Brasil, é extremamente pulverizado, com 1,3 milhão de pontos de venda em todo o País”, explica Daniel Silva, coordenador da comissão de foodservice da Abia. Esse cenário de concorrência acirrada e um foco em comunicação jovem foi um dos fatores que ajudaram o Burger King, por exemplo, a criar a base de sua operação no Brasil, que ganhou uma nova fase em 2011 quando o fundo 3G Capital passou a ser dono da rede. Apesar de estar desde 2004 no Brasil a rede não possuía uma operação ajustada e, tampouco, foco em crescimento, itens que viraram premissa com a chegada do novo dono.
A política de um novo projeto de expansão e o reposicionamento da marca no Brasil levou o Burger King a, no início de agosto, comemorar uma pesquisa encomendada ao instituto Ipsos. Um dos recortes do levantamento mostra que a rede tem 35% da preferência ante 31% do McDonald’s, em sete regiões metropolitanas do País. Apesar da polêmica em torno do resultado da pesquisa — segundo a própria Ipsos se trata de um empate técnico em função da margem de erro de três pontos percentuais —, o Burger King entendeu o resultado como uma vitória e um marco de seu projeto de expansão operacional e de construção de marca no Brasil. “Quando o 3G comprou a rede, e no começo de 2011, montamos uma equipe de 12 pessoas. Essa era a base do Burger King no Brasil. A marca estava desde 2004 aqui, mas só tinha 70 lojas. Tinham franqueados em São Paulo, Rio e Nordeste, mas não havia um projeto. Quando iniciamos esse novo plano para o Brasil, identificamos via pesquisa que o McDonald’s tinha 60% de preferência do consumidor ante 5% do Burger King na época. E o objetivo, desde então, era tornar-se a marca de fast-food preferida e mais rentável do Brasil”, lembra Ariel.
“A definição de estratégia de marca que fizemos lá atrás identificou uma forte penetração do Burger King no Brasil entre o público jovem. Diferentemente dos Estados Unidos em que a rede estava atrelada a um público mais velho. Embora todas as faixas consumam Burger King no Brasil, a maior frequência e penetração vem do público de 18 a 35 anos e, com base nisso, colocamos nossa fortaleza nessa comunicação jovem. Essa constatação foi importante porque conseguimos trabalhar essa conexão com o jovem que envolve ousadia e autenticidade”, frisa Ariel. O próximo passo da rede é aproveitar o momento de retomada do crescimento do setor para consolidar a trajetória de alta e alcançar a liderança. O objetivo é triplicar, até dezembro, o volume de aberturas de lojas, chegando a cem novas unidades em 2018. No primeiro semestre deste ano, foram 25 inaugurações. No total, a rede possui mil unidades entre restaurantes e quiosques.
Parte relevante dos investimentos do Burger King no último ano foi direcionada para a rede Popeyes que chegou ao Brasil no dia 10 de outubro. Especializada em frango e adquirida pelo BK em fevereiro do ano passado, a Popeyes terá uma construção de marca totalmente desvinculada do Burger King. “É uma marca ligada a um estilo tradicional e de qualidade do produto e terá um momento muito específico no Brasil. Além disso, está presente em uma faixa muito mais ampla de consumidores. O frango é a proteína mais consumida no Brasil, mas ela é vista como alimento usual e queremos que passe a ser também uma indulgência”, afirma Ariel. Fernando Cardoso, da AGR Consultores, lembra que a ampliação de preferência dos consumidores pela categoria de indulgência deve acirrar a briga por liderança do Burger King e McDonald’s. “A concorrência de marcas nacionais que estão mais bem preparadas e a chegada de novas marcas internacionais, ampliarão o mix de ofertas, a qualidade e os preços para o mercado. Podemos esperar que o resultado desta disputa entre os grandes jogadores deverá fortalecer a cadeia produtiva e prestadores de serviços da indústria”, afirma.
Retomada nos investimentos
Se o foco do Burger King nos últimos anos foi em marca e projeto de expansão, o Giraffas adotou uma estratégia de novos formatos de restaurantes para lidar com o momento de baixa econômica. “Estamos retomando nosso ritmo de investimentos, porém, com uma nova estratégia. Nosso novo formato de loja em praças menores, o container, tem ajudado a alcançar franqueados em função de um menor investimento. Além disso, essa estratégia viabiliza a entrada da marca em praças menores, onde uma unidade tradicional não cabe”, explica Luciana Morais, diretora de marketing do Giraffas. Ela lembra que a empresa teve um primeiro semestre com números abaixo do previsto, acompanhando a realidade da economia do País, mas que o terceiro trimestre já deu sinais de melhora. “Nós sabemos o quanto o nosso setor é focado em promoção, mas temos preocupação em não banalizar as promoções, então nós as fazemos de uma forma estratégica”, frisa Luciana.
Essa realidade de promoções é vista por Michel Machado, country-manager da Subway no Brasil, como o grande desafio atual do setor. “O mercado passa por um momento em que os grandes players estão voltados demasiadamente ao fator preço, destruindo o valor que um produto pode oferecer. Quando preço é o foco, não tem como não ficar com mentalidade de custo todo tempo, esquecendo que precisamos oferecer algo que tenha valor ao cliente. Se ‘viciarmos’ o consumidor em preço, o caminho de volta é árduo e muito caro, sem contar que uma hora o consumidor se revolta contra este tipo de estratégia e busca outras opções que ofereçam melhor valor”, alerta Machado, reforçando que o momento da marca é o de repensar estratégias, se adaptar às novas tendências e focar em produtos que entregam valor agregado ao cliente, com uma equação onde o preço não seja proibitivo para a base de clientes. A estimativa é que o Subway feche o ano com duas mil lojas no Brasil.
Expansão agressiva
Se a disputa interna focada em preços e promoções já estava acirrada, a chegada de novas marcas ao País agitou ainda mais esse cenário. Em setembro de 2016, Carlos Wizard Martins, dono do fundo de investimentos Sforza, que também investe na rede Mundo Verde e nas marcas Topper e Rainha, trouxe ao Brasil a Taco Bell. O projeto que ele construiu para a marca fez com que a Yum Brands, detentora, além de Taco Bell, de KFC e Pizza Hut, entregasse todas as operações para a gestão de Wizard. A Taco Bell tem, atualmente, 23 lojas próprias no estado de São Paulo. Até o final de 2018, o objetivo é abrir 35 novas unidades, chegando a 215 restaurantes até 2023. A perspectiva é que o Taco Bell alcance mais de 700 unidades em todo o Brasil até 2027. “Neste ano, abriremos a primeira franquia da rede e a estratégia é ter um mix entre lojas de rua e unidades nos shoppings. A perspectiva é que o Taco Bell alcance mais de 200 unidades no estado de São Paulo até 2027, o que tornará o Brasil um dos principais mercados fora dos Estados Unidos”, afirma Lincoln Martins, CEO da Multi QSR, empresa que administra as três marcas no Brasil.
Martins explica que com o atual momento da economia do País, os clientes têm optado por refeições completas, rápidas e com valor competitivo. No Brasil, o KFC tem atualmente quase 50 lojas distribuídas em sete estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Ceará e Pernambuco. A rede planeja investir mais de R$ 40 milhões para a abertura de 25 unidades até o fim deste ano, totalizando 75 lojas. Atualmente são 13 próprias e o restante franquias de grupos de investimentos. “A expansão agressiva se deve à ampla aceitação da rede que é referência em frango frito no mundo. Temos apaixonados pela marca em várias regiões que constantemente pedem nas redes sociais uma unidade nas proximidades”, diz Martins. No caso da Pizza Hut, a rede possui cerca de 180 restaurantes distribuídos em 23 estados e mais de 60 cidades.
Segundo André Figueiredo, diretor de comunicação do Habib’s, que assumiu o cargo em fevereiro deste ano, a meta prevista para o grupo em 2018 é de crescimento, apesar do momento econômico instável. “Estamos prevendo um aumento de 17 novas lojas de Habib’s e mais de 50 de Ragazzo”, afirma. “O mercado de alimentação tem sido bastante desafiador nos últimos anos e o Brasil ganhou destaque e importância para os players globais. Nosso desafio é equilibrar varejo e branding, já que o DNA da empresa está ligado a preço baixo sem perder a qualidade. Também ampliamos nossa presença na área digital, tanto em performance quanto no conteúdo. Vamos iniciar, em breve, uma plataforma de cultura urbana, que vai nos aproximar ainda mais do nosso consumidor, não só na hora do consumo, mas em outros momentos de sua rotina”, explica Figueiredo,
ANÁLISE
Delivery cresce 9% no Brasil em 2018
Em 2017, a categoria 100% delivery e pedidos para levar foi a mais dinâmica da indústria de alimentação em termos de valores reais. O serviço de entrega em domicílio é visto como uma oportunidade de mercado por muitos. Em 2015 e 2016, quando o poder de compra dos consumidores diminuiu, pedir comida para ser entregue em casa foi uma alternativa para consumidores com restrições orçamentárias que relutavam em gastar dinheiro comendo fora.
Embora o cenário econômico tenha melhorado em 2017, em comparação com anos anteriores, a disposição dos brasileiros em gastar não retomou os níveis de crescimento observados antes da recessão. Além disso, para as empresas de foodservice, o delivery foi uma maneira de evitar altos custos com pessoal, mantendo as vendas em um cenário econômico que ainda era desafiador.
Pedidos feitos online estão crescendo fortemente, especialmente via mobile, à medida que mais pessoas têm acesso a smartphones. Por conta dessa tendência, os operadores de foodservice estão criando seus próprios aplicativos ou aderindo a plataformas que oferecem serviços de pedidos, pagamentos e entregas, como a HelloFood e iFood.
Inovação e tecnologia
O Bob’s anunciou, na semana passada, uma atualização do seu plano de expansão para o Brasil com a meta de abrir mais 75 lojas até o fim do ano. De acordo com o diretor-geral da marca, Marcello Farrel, o foco é investir em inovação. “Não trabalhamos apenas o ambiente de loja. Modernizamos a marca, mudamos a comunicação, com foco nos novos canais; agregamos maior valor aos produtos, com a criação de sanduíches premium; criamos um aplicativo, o primeiro a permitir uma transação completa de compra e integrado com o programa de fidelidade da marca”, afirma. Tecnologia, inclusive, é uma premissa para todos os players ouvidos pela reportagem, já que a popularização de aplicativos de delivery, como iFood, Rappi e UberEats, vem puxando essas empresas que ampliaram o investimento em digitalização.
Dados e análises da Euromonitor mostram a influência da tecnologia neste setor. “Foodservice é uma indústria tradicional passando por uma rápida mudança. A conectividade, por exemplo, expôs os consumidores a novos sabores, cozinhas, estilos de refeições e um monte de conveniências modernas. A tecnologia, da mesma forma, tornou-se uma ferramenta importante para os operadores de restaurantes, permitindo que eles se adaptem às necessidades e desejos do consumidor. Cerca de 9% de todos os pedidos de serviços alimentícios serão feitos online até 2022, o que equivale a um movimento de US$ 292 bilhões em todo o mundo”, destaca Stephan Dutton, analista sênior de consumer foodservice na Euromonitor International.
Paulo Camargo, CEO do McDonald’s Brasil, afirma que, em especial, a tecnologia tem sido uma ferramenta importante para as novas estratégias da rede. “O delivery é uma ferramenta muito importante para nossa estratégia. E a gente definiu que a forma de trabalhar com eles seria focada no pedido do cliente. Não importa de onde venha o pedido, o que importa é o pedido do cliente, independentemente de estarmos falando dos integradores, seja o iFood, o Glove, o Rappi, ou outros. Vejo nessa dinâmica uma oportunidade relevante do uso de dados casado com inteligência artificial e outras formas”, afirma.
Metodologia
A Euromonitor International é uma empresa global de pesquisa e consultoria sobre o mercado de bens de consumo e serviços. Com sede em Londres, tem mais de 40 anos de atuação no fornecimento de inteligência de negócios e análise estratégica de mercado para empresas em todo o mundo. Oferece soluções de pesquisa customizada e publica anualmente informações sobre desempenho e tendências de 30 setores em até 100 países, além de agregar dados demográficos e socioeconômicos de países e consumidores em 210 países.
Mais informações em: www.euromonitor.com / info-brazil@euromonitor.com