ELIZANGELA KIOKO Formada em administração pela Uninove e com máster em gestão de varejo pela ESPM, começou a carreira como auxiliar administrativa na Farma Service de Uberlândia, em 2001. Ingressou na Onofre em 2015 como diretora comercial e tornou-se presidente em agosto do mesmo ano.

Desde agosto de 2015 à frente da Onofre, Elizangela Kioko conduz a transformação digital da empresa, adquirida em 2013 pela CVS, maior empresa de saúde do mundo. Mas, sem perder de vista a importância do PDV. Em relação ao ano passado, a rede expandiu em 20% o número de lojas físicas, implementou o self check out e atendimento automatizado em lojas estratégicas, além de ter dado início ao Clinic, serviço de acompanhamento do tratamento do cliente, realizado por farmacêuticos. Segundo ela, a expansão da rede se dá graças ao foco no que pode trazer a solução para o cliente. “A Onofre não vai ser fanática em investir em tecnologia sem propósito. Vamos reinventar a forma de levar farmácia para as pessoas que valorizam a gestão de sua saúde. Para que essa proposta seja concretizada, continuamos investindo em on e off-line”.

Por ISABELLA LESSA ilessa@grupomm.com.br

Fotos: ARTHUR NOBRE

 

Meio & Mensagem — Qual foi seu primeiro contato com o segmento farmacêutico?

Elizangela Kioko — Entrei no segmento farmacêutico em 2001, depois de ter morado seis anos no Japão. Comecei a trabalhar no Grupo Martins, em Uberlândia, em uma distribuidora farmacêutica chamada Farma Service. Passei pelas funções de assistente, analista, pela controladoria, logística e área de contabilidade. Vim para São Paulo cuidar da área logística, minha principal função era negociar frete para toda a distribuição, mas trabalhei também com recebimento, expedição e, quando saí da licença maternidade, comecei a atuar na gestão de estoque, que tinha dois pontos: quando havia excesso de vendas, eu tinha de ativar a equipe de vendas, e quando havia falta, ativava a equipe de compras. E, em meio a isso, acabei desenvolvendo a área de trade mar­keting, mas na época não me dei conta do que era isso. Então, comecei a trabalhar na área comercial, me chamaram para cuidar do trade mar­keting da Farmaservice e acabei sendo convidada para ir para o Carrefour. Lá, tive a oportunidade de trabalhar no varejo, uma área na qual ainda não tinha experiência. Quis entender um pouco esse lado, mesmo que tenha dado um passo atrás na carreira. Passei de gerente nacional para gerente de dermocosméticos. Mas minha evolução foi muito rápida. Nessa época, a Hypermarcas já tinha feito todas as aquisições, estava no momento de fusão e fui chamada para construir a área de trade marketing. Trabalhei cinco anos lá até que fui chamada para assumir a área comercial da Onofre.

M&M — De que maneira a experiência prévia com o marketing contribui para sua função como CEO?

Elizangela — O trade tem um contato muito forte com o marketing, porque quando você trabalha a venda e a compra, acaba trabalhando também o marketing. É uma visão holística. Passei por diversas áreas e setores diferentes, indústria, varejo, distribuição. Isso me dá visão e empatia para enxergar o lado de lá, como negociar para que ambas as partes tenham relações ganha-ganha.

M&M — Quando você ingressou na Onofre, a reestruturação da empresa já estava em curso?

Elizangela — Sim. A Onofre foi comprada em 2013, e em meados de 2014 a CVS assumiu o negócio e começou a fazer a reestruturação. Eu cheguei em abril de 2015 e comecei a reestruturação na área comercial, nas áreas sob minha gestão. Assumi a área de supply chain e pouco tempo depois assumi a presidência. Fiz parte de todo esse momento de reestruturação.

M&M — Quais foram os principais desafios da reestruturação, consideradas as diferenças do funcionamento da indústria farmacêutica no Brasil e nos Estados Unidos?

Elizangela — Claro que houve choque cultural, afinal é uma empresa familiar no Brasil. Então, implementamos uma cultura de compliance. Em um primeiro momento, com esse choque cultural, perdemos muitas pessoas da equipe que não conseguiram se adequar ao novo momento. Se pudesse resumir, foi um período de implementação de cultura, de políticas, de processos, pessoas. Investimos muito em infraestrutura e tecnologia para preparar o negócio para seu crescimento. O modelo de negócio é bem diferente. Nos Estados Unidos, o pagador não é o próprio consumidor. Quem paga, geralmente, é o plano de saúde, e paga fazendo um processo preventivo de tratamento. É um mercado totalmente diferente, fracionado. Em uma farmácia, você compra exatamente o produto que precisa na quantidade que precisa para o tempo de tratamento. Aqui a gente vende caixinhas. Enquanto lá só se tem uma marca e um genérico, que é do varejo, aqui temos uma marca e vários similares de marcas diversas. Na parte de governança, implementamos muitos processos em acordo com FCPA, que são regras anticorrupção, para ter certeza de que estávamos seguindo as leis e regulamentações locais. Além disso, políticas cabíveis para a CVS que faziam sentido colocar aqui no Brasil, do ponto de vista processual, de ter reports e rotinas de trabalho.

M&M — De que forma a Onofre tem investido no digital e qual a importância do online nos negócios da empresa?

Elizangela — Entendemos que o negócio não é on ou off, é a soma dos dois para atender às necessidades dos nossos clientes. Fazemos uma mescla de investimentos. Este ano fizemos investimento que daria para ter duplicado o número de lojas, mas resolvemos fazer na logística e nas plataformas de comunicação online porque acreditamos que isso resolverá a maioria dos problemas da cadeia de distribuição, o que é bom para a indústria, para o cliente e para a Onofre. Por outro lado, aumentamos em 20% o número de lojas em relação ao ano passado. Estamos investindo nas duas frentes. Tecnologia é um investimento que precisa ser olhado muito sob o ponto de vista da solução. Há uma tendência de todo mundo falar de tecnologia, mas a gente investe com uma visão muito pé no chão, sabendo o que de fato podemos oferecer de melhor para nosso cliente. A tecnologia é um meio, mas a solução é que é o fim, o grande objetivo.

M&M — Vocês cresceram este ano, apesar de um cenário econômico desfavorável. A que atribui essa alta, apesar desse contexto?

Elizangela — O que a gente vê no mercado farmacêutico é um pouco diferente do que se observa na economia de maneira geral. Cinco anos atrás o mercado farmacêutico tinha um crescimento muito maior do que hoje, mas o fato é que não está caindo. Vivemos em um país com mais de 200 milhões de habitantes, uma população que está envelhecendo, hoje a expectativa média de vida é de 76 anos, e as pessoas querem viver mais e melhor. Em 2050, 30% da população vai ter mais de 60 anos. Tudo que estamos passando em termos de insegurança política e transformação ética vai nos ajudar para um futuro melhor.

“Cinco anos atrás o mercado farmacêutico tinha um crescimento muito maior do que hoje, mas o fato é que não está caindo. Hoje, a expectativa média de vida é de 76 anos, e as pessoas querem viver mais e melhor. Em 2050, 30% da população vai ter mais de 60 anos”

M&M — Onde estará o foco de investimento da Onofre no ano que vem?

Elizangela — Não fechamos o orçamento para o próximo ano, mas temos uma plataforma que nos dá a garantia de escalar cinco vezes o negócio sem ter de abrir muito mais lojas. Isso não significa que a gente não vá continuar investindo no mundo físico, pois acreditamos que isso é uma solução conjunta. Quando falo de loja física, falo de marca, de confiança, de experiência, e quando falo do online estou falando de conveniência, de entrega rápida. As pessoas que já nasceram nesse ambiente digital, daqui a pouco não vão mais fazer distinção da compra física ou digital. Hoje, oito milhões de pessoas pertencem à geração Y e, portanto, já nasceram nesse contexto. Tem uma proposta de valor em termos de conveniência e valorização do tempo no online que é muito importante para hoje e mais ainda para o mercado futuro que está se desenvolvendo.

M&M — Vocês replicam algum modelo de comunicação da CVS no mercado brasileiro?

Elizangela — Tem muita coisa da CVS que faz sentido aqui na parte de comunicação. Mudamos a nossa marca depois de cinco anos da vinda da CVS ao Brasil. Fizemos um trabalho de olhar o nosso consumidor, saber se ele conhecia a CVS e, por outro lado, quais as expectativas da CVS no Brasil. Tínhamos de zelar pela reputação da marca mãe. Enquanto a operação aqui não estava segura do ponto de vista de compliance, havia um trabalho muito grande de governança e processos para garantir que não haveria nenhum problema de reputação para a marca CVS. Um cliente nosso que conhece a CVS, conhece um ambiente grande, com uma amplitude gigantesca de sortimento, muito diferente do que tínhamos aqui no Brasil até então. Primeiro fizemos um trabalho grande de olhar para dentro da nossa loja, de fazer configuração do layout, da jornada de compra, do atendimento, da amplitude de sortimento, para depois estampar a marca. Então, a mudança veio selar o que a gente já vinha fazendo três anos antes na parte da operacional. Decidimos fazer essa consolidação lançando a flagship da Rua Pamplona com a Avenida Paulista, em São Paulo — por ser um ícone, a reforma dessa loja foi discutida ao longo de três anos. Seguramos ao máximo para esperar o momento ideal para lançar a nova loja. Ali, a diferença é que usamos muita tecnologia e pessoas para valorizar o tempo da nossa equipe, priorizando o mais importante, que é atender o cliente. Dentro do balcão, que é onde há 50% da demanda daquela loja, temos um robô que possibilita que o farmacêutico não saia da frente do cliente para buscar o produto. É o robô que traz o produto até ele. Assim, o profissional não dá as costas ao cliente, agiliza o atendimento e utiliza seu tempo para orientar a gestão do tratamento, que é o papel mais nobre que existe dentro de uma farmácia. Utilizamos tecnologias como self check out, em que a própria pessoa paga sua compra, além do check out móvel, em que qualquer consultor pode fazer o fechamento da compra. Já no primeiro mês de operação da loja, 52% das transações foram pagas por meio do self check out. E, depois que implementamos o check out móvel, 65% de todas as transações são divididas entre essas duas opções. Fizemos uma mescla do on e do off até onde foi possível. Há comunicações dentro da loja que vêm do site, produtos que mais vendem no online e ficam expostos ali, o rate review do digital está na loja, se um produto não está disponível, nossa equipe orienta a pessoa a comprar pelo site ou pelo televendas, podendo retirar na própria loja depois. Talvez eu não precise colocar isso numa loja de bairro onde o fluxo é menor. Há de se ter um equilíbrio.

M&M — Ainda há oportunidades para inovar no PDV para atrair ainda mais o consumidor?

Elizangela — Sim. Começamos com a Onofre Clinic há seis meses. Isso não era possível até ano passado, quando a farmácia não podia oferecer serviços farmacêuticos, mas com a mudança na regulamentação começamos a montar essa divisão. Hoje, nosso farmacêutico ajuda a fazer a gestão do tratamento do cliente, o que vai de medição de glicemia e temperatura até acompanhamento do tratamento que ele está fazendo. Temos mais de três mil clientes que já utilizaram o serviço em uma de nossas 30 Onofre Clinics. Essa mudança está ocorrendo de forma lenta, mas a relação com a farmácia está deixando de ser transacional, de comprar e receber remédio, para se tornar uma conexão para melhorar a saúde. Nesse sentido, ainda temos um longo caminho para percorrer.

M&M — Como CEO que já atuou com marketing, você ainda participa das decisões dessa área?

Elizangela — Não tem como só falar da estratégia sem falar do marketing. Tenho pessoas nas quais confio absurdamente, profissionais desenvolvidos com muita experiência. Mas a gente trabalha muito junto, acompanho muito no dia a dia.

M&M — Qual o papel do profissional de mar­keting dentro da Onofre?

Elizangela — Por um lado, tem um desafio porque estamos exatamente em um momento em que convivem consumidores que vieram de um momento analógico e outros que já nasceram no digital. No nosso marketing, entendemos que o escopo dessa área inclui, além da comunicação com nossos clientes, um olhar para o negócio de forma omnichannel. Hoje não basta o marketing se perguntar como olha para dentro de casa e como comunica isso para gerar valor de marca no mercado, deve olhar também para o consumidor que está fazendo uma transição. Não basta somente comunicar, é preciso saber como atender melhor às necessidades do consumidor, a jornada desse cliente em todos os momentos, todos os canais e quais os momentos de fricção que precisam ser resolvidos. Não dá mais para falar em comunicação sem falar em processo. Esse é um momento de grande mudança no mercado, mas ainda há barreiras digitais, tecnológicas, humanas e regulatórias a serem vencidas. Entretanto, o consumidor não quer saber de nada disso. Se ele resolver buscar no Google, comprar no televendas, pagar na loja e receber em casa, gostaria de ter tudo isso de forma conectada, sem precisar contar a mesma história várias vezes para pessoas diferentes. O marketing precisa se envolver nisso.

M&M — Em quais aspectos a Onofre se diferencia de seus concorrentes?

Elizangela — Temos uma proposta de valor para o cliente que mescla o mundo físico e digital, 45% do nosso negócio hoje vem do digital. Fomos precursores no e-commerce, lançamos o site em 2000, quando ninguém falava nisso. Olhamos para o que o cliente quer, fazemos pesquisa para saber quais são as dores e voltamos para dentro para resolver e entregar a melhor solução. Fazemos pesquisas com a equipe e, este ano, 90% responderam que acreditam que a Onofre prioriza o cliente.

M&M — Existe espaço para a Onofre ser mais como a CVS, que comercializa variadas categorias de produtos, de limpeza a eletrônicos?

Elizangela — Independentemente de vermos um mix muito grande na CVS, não podemos nos esquecer de que eles são a maior empresa de saúde do mundo. A proposta da Onofre é trabalhar muito nesse ambiente de saúde, nos consideramos uma farmácia inovadora, nossa estratégia é reinventar a farmácia com o objetivo de ajudar as pessoas a alcançarem seu potencial máximo de saúde. Trabalhamos cada vez melhor o mix para que o cliente tenha uma solução de conveniência, mas sempre muito atrelado ao nosso propósito que é olhar para a parte de saúde. Além da parte regulatória que nos impede de trabalhar com produto de limpeza, por exemplo, também acho que pelo ambiente que temos hoje, não caberia. Já temos players do varejo que cumprem essa parte muito bem.

“Ainda há barreiras digitais, tecnológicas, humanas e regulatórias a serem vencidas. Entretanto, o consumidor não quer saber de nada disso. Se ele resolver buscar no Google, comprar no televendas, pagar na loja e receber em casa, gostaria de ter tudo isso de forma conectada, sem precisar contar a mesma história várias vezes para pessoas diferentes. O marketing precisa se envolver nisso”

M&M — Como define seu estilo de gestora?

Elizangela — Definiria como estilo de gestão que sempre olha para pessoas, que acredita que pessoas são capazes de mudar o jogo, que erros fazem parte de caminhos para aprendizados. E que mesmo quando a gente erra, a gente acerta porque está construindo algo de mais valor. Não tem como construir sem ter erros no meio do caminho. O único ponto é que precisa errar rápido e recomeçar rápido. Também acredito que pessoas são capazes de se desenvolver, um indivíduo não é moldado de uma forma e fica sempre daquela maneira, as pessoas têm de desenvolver a carreira olhando muito para elas mesmas, em vez de achar que o desafio está do lado de fora. Geralmente, o desafio está dentro de nós. Precisamos olhar cada vez mais para dentro de nós para conseguir vencer as barreiras que nos colocamos. Como líder, acredito que carreiras são desenvolvidas a partir do autoconhecimento para vencer crenças limitantes.

M&M — Qual sua missão como CEO da Onofre?

Elizangela — Passamos por essa fase de reestruturação durante a qual não tínhamos tempo para respirar. Agora, estamos em outro momento. Como CEO, o desafio é olhar para essa velocidade da tecnologia, respirar, viver o presente, alinhar o plano com a equipe para que a gente sempre tenha uma proposta de valor. Não ir na onda das tendências do mercado.

M&M — Como lida com a questão da igualdade de gênero na empresa?

Elizangela — Nunca sofremos essa questão de preconceito. Temos de olhar para isso com muito cuidado, porque pode ser que de fato tenham outras empresas que passem por esse preconceito. Mas na Onofre há um misto de homens e mulheres na linha de gestão, 54% são mulheres e 46% são homens. Na linha alta de gestão, tenho duas mulheres e sete homens. Ainda existe desigualdade, mas nunca começamos um processo seletivo pensando que temos de priorizar homem ou mulher. Durante o processo pedimos que haja igualdade na participação de gêneros, mas, conforme avança o processo, isso precisa residir mais na capacidade da pessoa. Não acredito em estabelecer cotas.

M&M — Como foi sua experiência pessoal nesse sentido?

Elizangela — Minha carreira foi explosiva, estive sempre focada em trabalhar duro, em fazer as coisas acontecerem. Se havia uma diferença, que sinceramente eu não enxerguei, e eu sempre trabalhei em ambiente masculino, não me senti injustiçada por ser mulher. E olha que vivi em um ambiente no Japão, em uma época que o país era muito machista. Trabalhava na mesma função operacional que um homem e eles ganhavam 30% a mais do que eu. Isso era transparente. Lá vivi isso claramente. Mas, aqui no Brasil, não consegui em momento nenhum da minha carreira me sentir injustiçada por ser mulher. Quando me sentia insegura, olhava para dentro de mim e tentava desenvolver minhas crenças.

M&M — O que absorveu da cultura japonesa como profissional?

Elizangela — O Japão me trouxe resiliência. Fui para lá com 18 anos, sou filha de família da classe D, muito simples, não tinham o que comer aqui no Brasil. Minha mãe, separada do meu pai, tinha cinco filhos para sustentar. Meu pai estava no Japão. Fui para lá e pedi a ele que ajudasse a mim e a meu irmão. Trabalhei como faxineira em um hotel e depois em uma fábrica de peças de automóveis. Com 18 anos, época de rebeldias, tive de me sustentar e ajudar minha família no Brasil. E, lá no Japão, tive de aprender a conviver sem falar o idioma, sem ter passagem de volta, mesmo que todos os dias fossem difíceis estar longe da minha família. Aprendi muito a cair, envergar e não quebrar, que é a parte da resiliência. Não tinha vontade de morar no Japão, fui lá para sobreviver. Voltei quando já tinha conseguido fazer um pé de meia. Quando fui para lá, estava na oitava série, e quando voltei, tive de retomar os estudos ao mesmo tempo em que desenvolvia carreira e constituía família.

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