PAULO CAMARGO – Formado em administração pela IEDE Business School e com especialização em educação executiva por Harvard, está no McDonald’s desde janeiro de 2011. Primeiramente no posto de vice-presidente de operações, ocupado até novembro de 2015, quando se tornou presidente da rede no Brasil. Anteriormente, foi diretor da Iron Mountain, empresa especializada em serviços de gestão. Começou a carreira na PepsiCo, em 1993, onde atuou em áreas como operação, TI e gestão de negócios para a América do Sul.

Na maior parte de seus 40 anos, o McDonald’s adotou a política de não se pronunciar diante de polêmicas. Hambúrguer de minhoca? Nenhuma palavra oficial sobre. Origem dos alimentos? Informação confidencial. Dar voz aos milhares de funcionários? Impraticável. Com a popularização das redes sociais, o avanço da concorrência e a mudança de comportamento dos consumidores, a postura teve de mudar. Sobre a minhoca, a melhor estratégia foi tratar o tema com humor e informação. Em relação à origem dos alimentos, foi criado um pilar de comunicação e várias campanhas sobre o assunto. Já os funcionários podem postar, comentar e falar sobre o que fazem no McDonald’s, com exceção de informações estratégicas. Neste novo contexto, Paulo Camargo, CEO que assumiu o comando da rede no Brasil em 2015, adotou o Facebook como uma de suas principais plataformas de interação com o público. Camargo entende que a gestão do CEO moderno deve ser aberta e a comunicação, direta. “As novas gerações demandam outros valores das marcas e se preocupam mais com o intangível, isso exige uma nova postura do CEO”, defende. Neste mês, o ranking da Interbrand de marcas globais mais valiosas mostrou o McDonald’s na décima posição, com alta de 5% e avaliação recorde para a empresa: US$ 43 bilhões. No Brasil, a rede deve fechar o ano com mais de 900 lojas e cerca de dois milhões de clientes atendidos por dia.

 

Por LUIZ GUSTAVO PACETE – lpacete@grupomm.com.br
Fotos: ARTHUR NOBRE

Meio & Mensagem — Desde que você chegou ao McDonald’s, muitas mudanças foram feitas com o objetivo de tornar a empresa mais ágil e aberta, quais foram os desafios?

Paulo Camargo — Eu sempre entendi que para potencializar algo é necessário desestruturar outras coisas. E isso que eu venho fazendo desde que cheguei. Quando se tem uma marca de 40 anos é vital e necessário desestruturar muito do que já foi estabelecido. As pessoas precisam perceber que é preciso fazer mais. Tínhamos, no final de 2015, quatro escritórios espalhados por São Paulo que viraram apenas um. Muito mais do que uma questão de custo, era uma forma de melhorar nossa comunicação e alinhar nossos processos. Nunca me esqueço de que quando cheguei identifiquei que nossa padronização de atendimento já não fazia mais sentido. Passamos a dizer, desde então, que nosso funcionário deveria vestir nossa camisa, mas sem se despir de sua personalidade. O objetivo era mudar nossos uniformes e permitir que eles fossem mais personalizados. Meu time me deu um ano e meio para que essa mudança ocorresse. Por mais que eles estivessem com razão, já que não era uma operação simples, essa mudança era urgente. Eu pedi que fôssemos até a rua 25 de Março, comprássemos camisas de várias cores e distribuíssemos. Lógico que depois aprimoramos isso. Mas era necessário passar esse senso de urgência. Para uma marca líder, ter mais velocidade é muito importante.

M&M — Você tem um perfil no Facebook e interage inclusive com os funcionários. Qual aprendizado tira dessa presença nas redes sociais?

Camargo — Há quatro anos não tínhamos uma proibição escrita sobre o fato de funcionários utilizarem as redes sociais, mas existia uma recomendação para que isso não fosse feito. Logo, o que tínhamos nas redes vindo de nossos colaboradores ou eram posts falando mal da marca com base em determinada frustração, ou a denúncia de algum erro de operação. Era uma forma absolutamente equivocada de lidar com um ativo muito importante para nós. Hoje, temos milhares de interações entre nossos funcionários. O que passamos a ter com essa atitude foi um ambiente digital saudável. Eu tenho perfil nas redes e algo muito interessante que aprendi com isso foi que, muitos dos nossos colaboradores, temos mais de 50 mil, se utilizam da marca para, por exemplo, ser um youtuber. Já chegamos a ter colaboradores com mais de 500 mil seguidores, por exemplo. Essa experiência nos mostrou que não era apenas sobre falar da marca na Rede Globo, no horário nobre, mas personalizar a maneira como nossos colaboradores falavam para o mundo sobre o que é o McDo­nald’s, mas de forma autêntica.

M&M — Qual a estratégia de crescimento da rede em um mercado altamente competitivo e com margens apertadas?

Camargo — Gosto de falar do conceito de oceano azul que remete a mercados não explorados. Mas, antes de falar de oceano azul, é importante entender o que é, para o McDonald’s, o oceano vermelho, ou mar revolto. Sempre me perguntam ‘Paulo, como as coisas estavam há três anos, quando você chegou?’. A resposta é: não estava tudo bem. Junto com todo o mercado, enfrentávamos queda em volume e lucratividade e a concorrência no Brasil com redes internacionais que chegavam. Além disso, ao mesmo tempo, as hamburguerias e os food trucks começavam a ganhar mercado de forma acelerada. Nós olhamos para esse segmento e percebemos que havia ali uma oportunidade. A situação não era boa. Mas percebemos que dava para transformar um oceano vermelho em oceano azul e isso nos levou a trazer ao Brasil a linha Signature cujo primeiro lanche foi o Club House, lançado em um food truck. É uma forma muito clara de enxergar como transformamos uma ameaça em oportunidade.

M&M — Qual o papel de um CEO e o nível de envolvimento que ele precisa ter nas diversas áreas da empresa?

Camargo — Cada vez mais, seja você de qualquer indústria, não podemos mais falar apenas do produto tangível. Por uma demanda das novas gerações, é cada vez mais importante falar daquilo que é intangível. Os millennials, a geração Z, eles demandam outros valores das marcas. Eles querem saber como é a cadeia, a origem de seu produto. Isso exige do CEO uma visão muito mais holística da organização. Uma visão próxima dos recursos humanos, por que faz cada vez mais diferença o time que estou montando. Posso ter o melhor fazedor de hambúrguer, mas um bom fazedor de hambúrguer não necessariamente será o melhor gerente. Em um modelo tradicional, o papel do marketing é convencer o cliente a vir ao restaurante. Já a operação tem de mostrar que o cliente acertou na escolha. Nossa lógica é inversa, o marketing precisa estar tão integrado com a operação para garantir que a promessa da marca, aquela intangível que eu mencionei antes, seja cumprida.

“Em um modelo tradicional, o papel do marketing é convencer o cliente a vir ao restaurante. Já a operação tem de mostrar que o cliente acertou na escolha. Nossa lógica é inversa, o marketing precisa estar tão integrado com a operação para garantir que a promessa da marca seja cumprida”

M&M — Como a pulverização dos apps de delivery influencia a dinâmica do ­McDonald’s?

Camargo — O delivery é uma ferramenta muito importante para nossa estratégia. E a gente definiu que a forma de trabalhar com eles seria focada no pedido do cliente e não nesse ou naquele app. Não importa de onde venha o pedido, o que importa é a jornada do cliente, independentemente de estarmos falando dos integradores, seja o iFood, o Rappi, ou outros. Vejo nessa dinâmica uma oportunidade relevante do uso de dados casado com inteligência artificial. Imagine o desafio de colocar todos os dados que vêm desses integradores na minha frente de operação. Para que eles conversem com minha operação, caixa, entrega e também com meu marketing. Essa nova dinâmica mudou, inclusive, minha maneira de comunicar. Hoje, quando tenho um lançamento específico, um novo sanduíche de frango, por exemplo, não preciso ir para a TV, posso identificar um consumidor que gosta de frango, que já compra lanches de frango e dar a ele essa novidade e exclusividade. É o cliente que controla essa experiência, é ele que vai pedir, pagar e determinar como consumir. Eu vejo o McDonald’s cada vez mais digital neste sentido.

M&M — Falando em tecnologia, em 2017, o restaurante modelo do McDonald’s em São Paulo ganhou novo conceito com totens e outras formas de interação, como isso se estende a toda a rede no Brasil?

Camargo — Um dos nossos pilares estratégicos atualmente é a modernização dos restaurantes. Somente no Brasil, investimos R$ 1,2 bilhão na reforma das nossas lojas. Isso inclui também a modernização do serviço. Nosso modelo foi moldado ao estilo taylorista e fordiano, onde a forma de atendimento era muito padronizada, e o objetivo agora é personalizar o máximo possível nossa entrega. Mas é importante entender que a modernização da loja ou do serviço de nada vale se não modernizarmos a forma como lidamos com nossos profissionais. A estratégia só vai funcionar se o nosso pessoal estiver engajado para executar aquilo que desenhamos. Acredito que não temos um só presidente: temos 950 presidentes, que são os gerentes das lojas. Eles todos têm o alinhamento estratégico sobre o quanto temos de vender, e sobre o nível de satisfação de funcionários e clientes que temos de atingir.

M&M — Em função de ser altamente cíclico, o segmento de fast-food vive, de tempos em tempos, uma guerra de preços que inclui cupons e promoções, isso é sustentável no longo prazo?

Camargo — Não concordo com desconto pelo desconto. Não é a maneira certa de fidelização. Quando você tem um ciclo de crescimento da economia, geralmente, essa atividade promocional diminui. Em um momento em que pessoas estão perdendo o emprego ou com medo e precisando gastar menos, quaisquer dez centavos fazem a diferença entre comprar e não comprar. E, neste sentido, a promoção é importante. E temos internamente uma área de inteligência que leva em consideração vários fatores para tomar essa decisão. Mas o desafio é equilibrar o institucional e o promocional. O consumidor, mais do que preço, tem valor. E aqui é muito importante ter atributos para trabalhar. Em uma guerra de preços, qual o valor de ter um clássico como o Big Mac? É importante saber comunicar isso de forma divertida, mas mostrando que existe uma experiência e um valor agregado. O desafio é encontrar o equilíbrio entre o trabalho institucional — o marketing massivo —, e ir para a personalização massiva, usando muita inteligência e tecnologia. O marketing começa pela operação. Vemos a melhoria da conectividade, o surgimento da IA e o uso de big data, e queremos nos apropriar dos dados para responder a esta jornada.

M&M — Nos últimos anos, o setor ganhou novos concorrentes no Brasil, como Wendy’s e Taco Bell. De que maneira isso ajuda na profissionalização do segmento?

Camargo — Ainda que você cite algumas marcas, a concorrência do McDonald’s hoje é o pastel, o carrinho de cachorro quente. É o que nós chamamos de share of stomach. A gente respeita a concorrência e todo o movimento que ela pode realizar. Como marca líder, precisamos olhar para frente, mas a concorrência ajuda, ela faz com que você melhore e se desafie. Se você observasse o McDonald’s, há alguns anos, nós lançávamos produtos novos a cada seis meses, e isso mudou, agora, todo mês temos novidades. Os concorrentes nos ajudam a nos movimentar mais rápido, mas o que importa mesmo é ficar atento às demandas dos consumidores, essa deve ser a estratégia.

M&M — Hoje o McDonald’s é uma das empresas que mais empregam no Brasil, sobretudo, jovens no primeiro emprego, qual o desafio de ter que treinar profissionais em uma dinâmica de alta rotatividade?

Camargo — Esse é um papel que o McDonald’s desempenha, entendemos que formar jovens era uma das vocações da empresa e reestruturamos nossa área de treinamento e criamos programas para valorizar isso. Temos, por exemplo, um programa em que profissionais que já trabalharam no McDonald’s se reencontram, você tem artistas, jornalistas, diretores de multinacionais, isso é muito importante para mostrar a importância desse ciclo. Eu sempre gosto de dar como exemplo que o Jeff Bezos, da Amazon, começou sua vida profissional no McDonald’s, e o mais interessante disso é que hoje o ­McDonald’s tem a Amazon como uma referência de experiência ao consumidor.

M&M — Há algumas semanas, o Burger King usou em sua comunicação dados divulgados pela mídia de uma pesquisa da Ipsos sobre preferência do consumidor, e o instituto emitiu uma nota de esclarecimento (um dos recortes do levantamento, realizado em sete regiões metropolitanas, mostra que o Burguer King tem 35% da preferência ante 31% do McDonald’s, o que, segundo a Ipsos, configura empate técnico, já que a margem de erro é de três pontos). Como você avalia esse episódio?

Camargo — Não acho certo falar da concorrência, mas a respeito. Cada concorrente tem uma postura, um comportamento, e não vamos mudar o nosso em função disso. O valor da minha organização é liderar pelo exemplo. Quem tiver interesse pode ler, no próprio site da Ipsos o que o instituto diz da pesquisa. Pesquisa é pesquisa, a gente faz o corte que quiser. Vamos esquecer as pesquisas e falar de números. Somos uma empresa aberta, os números estão disponíveis. Temos a liderança absoluta do setor. Nas nossas pesquisas, cresço em share, cresço em marca favorita no Top of Mind. O mercado sabe o quão difícil é crescer em Top of Mind quando você já é líder. A pesquisa é um dado para mim. Deveria ser utilizada internamente para avaliar meu desempenho. Estamos na época de eleição e pesquisas geram confusões. Na eleição, o que vale é a pesquisa ou a urna?

“Não temos um só presidente: temos 950 presidentes, que são os gerentes das lojas. Eles todos têm o alinhamento estratégico sobre o quanto temos de vender, e sobre o nível de satisfação de funcionários e clientes que temos de atingir”
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