OCTAVIO DE LAZARI
É formado em ciências econômicas, com especializações pela FIA e FGV. No Bradesco desde 1978, foi diretor de corporate, varejo e pequenas e médias empresas, diretor departamental de empréstimos e financiamentos, diretor executivo do grupo e, em 2017, foi eleito diretor-presidente do Grupo Bradesco Seguros. Em março deste ano, foi formalizado como diretor-presidente do Bradesco.

Octavio de Lazari Júnior começou a trabalhar no Bradesco aos 15 anos como office boy numa agência da Lapa, zona oeste da capital paulista. Em quatro décadas, foi alçado ao cargo mais alto de uma das principais instituições financeiras do Brasil. Lazari foi anunciado, no início deste ano, como presidente do Bradesco, em substituição a Luiz Carlos Trabuco, executivo que comandou o banco por nove anos. Uma das principais missões do CEO é fazer com que o banco, com ativos de R$ 1,357 trilhão, faça a travessia do ambiente convencional das agências bancárias para a gestão online que, entre outros meios, consiste nos aplicativos e na plataforma Next, criada sobretudo para fazer frente ante a crescente expansão das fintechs. Embora as 4.652 unidades físicas de atendimento sejam responsáveis pelos números do Bradesco, que registrou lucro líquido de

R$ 5,4 bilhões no trimestre encerrado em setembro, a instituição tem de se modernizar e atender às expectativas de stakeholders e de mais de 28 milhões de correntistas. Que têm correspondido: 53% dos clientes já são considerados digitais, ou seja, não dependem do atendimento físico. Esse resultado pode ser creditado ao investimento em tecnologia. No ano passado, o banco implantou a Bia – Bradesco Inteligência Artificial, que opera sobre a plataforma cognitiva Watson da IBM, e lançou o banco digital Next, com o objetivo de chegar a 500 mil clientes até o final deste ano.

E usa recursos como o Google Assistente, WhatsApp e apps para interagir com os correntistas.

Por JONAS FURTADO jfurtado@grupomm.com.br e SÉRGIO DAMASCENO sdamasceno@grupomm.com.br

 

Meio & Mensagem — Em julho deste ano, quase dois milhões de pessoas já eram correntistas de bancos digitais. O Bradesco detém o controle do Next e também tem um extenso programa de digitalização, inclusive com tecnologias como a inteligência artificial. Segundo o Banco Mundial, cerca de 30% da população economicamente ativa não têm conta em banco. Como o senhor vê a confluência desses dois universos — o banco digital e o tradicional — para a redução dos desbancarizados?

Octavio de Lazari — O Bradesco foi fundado em 1943, em Marília, interior de São Paulo. Naquela época, banco existia para servir as elites. Nossa proposta foi disruptiva e democratizamos o atendimento. Abrimos conta corrente de operários, trabalhadores rurais, pequenos comerciantes, homens e mulheres, pobres e ricos, sem distinção. Esse traço de inovador marca as várias gerações de bancários do Bradesco e perpetuou o legado de que, para nós, o negócio bancário tem de criar valor para a sociedade e compromissos com o crescimento econômico. Nosso propósito é transformar a vida das pessoas e das comunidades nas quais estamos inseridos. Portanto, não há diferença entre a atividade do Next e do Bradesco. O que importa é reafirmar os nossos valores, entre eles, a bancarização. Temos presença em todas as regiões do Brasil, inclusive na bacia amazônica, por meio de uma agência fluvial que atende as comunidades ribeirinhas. É um trabalho duro, que traz resultados tangíveis. O Next encaminha a solução do conflito geracional no que se refere à bancarização. Ele é a opção de primeira conta de jovens que já nasceram em um mundo digitalizado e não se interessam por ter um talão de cheque, frequentar a agência e outras rotinas do mundo analógico. É um comportamento que rompe com modelos anteriores. Mas uma linha nos une: banco continua sendo um item essencial na vida das pessoas. De uma forma ou de outra, é um bem de necessidade no mundo analógico ou digital. A forma de realizar a convergência entre esses dois mundos é um desafio que está em nossa agenda de prioridades. A confluência com a geração digital deve ser absoluta.

M&M — Que outras iniciativas o Bradesco tem nesse sentido, de promover o acesso ao banco?

Lazari — Um dos aspectos que dão sustentação ao processo de bancarização é a educação financeira. Não se constrói inclusão bancária consistente sem a inclusão financeira do beneficiado. É como convidar alguém que não está com fome para almoçar. Ele se senta à mesa com você, mas não aprecia o prato oferecido. Realizamos ciclos de compartilhamento do conhecimento financeiro, do básico ao avançado, na medida da evolução econômica do cliente ou seu interesse pelo tema. O trabalho é replicado em todas as regiões brasileiras e atinge famílias, pessoas físicas e grupos econômicos específicos, como microempreendedores individuais, agronegócio e o de serviços.

M&M — O Bradesco e o Next são bancos distintos como marcas, com linguagens e abordagens completamente diferentes. Com o avanço das fintechs, qual é a probabilidade de um banco digital atrair o correntista de um banco tradicional e canibalizar a própria base, como é o caso do Bradesco?

Lazari — Para nós é uma abordagem geracional. São públicos diferentes, com interesses distintos, em razão de pertencerem a outro momento histórico, outras influências. Não vemos razão para canibalização, mas sim complementaridade. O que as pessoas precisam, e não importa a idade ou profissão, é de produtos e serviços bancários. O meio de acesso será aquele que for o mais conveniente para elas. E nossa tarefa é disponibilizar todas as possibilidades, com a mesma qualidade e eficiência. O que eu quero dizer é que não são processos excludentes, mas que se acrescentam e se completam.

“O mercado financeiro brasileiro é um dos mais competitivos do mundo. São cinco grandes bancos disputando clientes em todas as praças e regiões brasileiras. Além disso, a transparência do mercado é total. O que um faz, todos sabem. Uma novidade tem vida muito curta. Não há espaço para erros, nem acomodação. Ou seja, a competição é acirrada e de alta intensidade. Nesse contexto, o trabalho da comunicação é central

M&M — Qual é o papel da inovação para o futuro do banco nesse ambiente cada vez mais competitivo, por conta até mesmo do avanço das fintechs? Como a inovação é incentivada e direcionada no banco? Existe uma área responsável por conduzir isso em todas as áreas ou cada área tem a inovação como norte?

Lazari — O futuro não existe sem inovação. E isso vale para tudo na vida. O Bradesco é constituído por tecnologia e pessoas. É um modelo que exige concentração e foco se quisermos alcançar novos degraus a cada avanço no processo de inovação e motivação das equipes. A aplicação de tecnologia intensiva no atendimento ao cliente é um caminho de fronteiras alongadas. A nossa experiência prática em relação à aplicação dos avanços tecnológicos começa nos laboratórios de análise e prospecção, passa pela sua efetivação nos comitês interdisciplinares, até chegar ao dia a dia do cliente. Os comitês avaliam riscos e oportunidades sobre a viabilidade de uma inovação disponibilizada ao cliente. E também os benefícios para a eficiência do negócio. O intervalo de tempo entre a descoberta e seu uso no cotidiano das agências e canais de atendimento é cada vez mais curto. Nossa orientação é que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento devem ser agressivos, mas de nada adianta realizar grandes projetos se não estiverem ao alcance do cliente de forma quase imediata.

M&M — Qual é o papel do Inovabra nessa cadeia de inovação?

Lazari — O Inovabra é a nossa fonte primária de inovação. É um guarda-chuva com um amplo conjunto de iniciativas, entre eles, o Inovabra Lab, um centro de pesquisa e desenvolvimento que reúne, num mesmo ambiente, cientistas, programadores, clientes e grupos operacionais. A troca de experiências e trabalho conjunto faz com que o processo de inovação ganhe velocidade e robustez. O Inovabra contempla também o Habitat, um ecossistema que aproxima produtores e consumidores de inovação. Nesse caso, o próprio Bradesco, clientes, fintechs e startups. É um ambiente onde a inovação tecnológica está no centro e na periferia. Todos trabalham lado a lado para compartilhar experiências, descobertas e perspectivas. O Habitat está instalado em um prédio que funciona no sistema co-working e que foi construído sobre uma agência do Bradesco, que funciona no térreo. O prédio tem arquitetura moderna, pensada para acrescentar valor à comunidade local. Foi aberto um bulevar de passagem entre duas vias de alto movimento na região da avenida Paulista. O impacto de urbanidade beneficiou todas as pessoas que vivem, trabalham e transitam por ali.

M&M — Como introduzir tecnologias como inteligência artificial (estrela de campanha recente do Bradesco, com Bia) no dia a dia tanto do público interno (executivos, colaboradores, funcionários) quanto do externo (clientes)?

Lazari —A Bia é a porta que se abre para uma nova era bancária. São infinitas as possibilidades que se estabelecem a partir de sua aplicação. No final, o que teremos será um grande ganho de eficiência em fazer negócios, educação financeira e conhecimento do cliente. A Bia é um sistema simples, intuitivo e as pessoas se familiarizam e interagem rapidamente com ele. Funciona como um GPS, que indica, direciona e endereça tudo o que o Bradesco pode oferecer em termos de produtos e serviços, mas também informações importantes, como a cotação do dólar. A natureza da Bia é crescer seu acervo de informações de forma permanente e esse é o seu aspecto extraordinário. Ela não se esgota e evolui quanto mais se alimenta de informações de acordo com as perguntas das pessoas. Quando mais os clientes pedirem por ela, mais a Bia vai ganhar em conteúdo e capacidade de interação.

M&M — A comunicação do mercado financeiro tem mudado de teor. Saem os princípios caros à comunicação bancária (como segurança, solidez e conservadorismo) e entram peças mais humoradas e com menos dados, que aproximam os bancos do dia a dia das pessoas. Como o Bradesco tem conduzido sua mensagem junto ao público? Como o sr. definiria o posicionamento da marca hoje?

Lazari — O mercado financeiro brasileiro é um dos mais competitivos do mundo. São cinco grandes bancos disputando clientes em todas as praças e regiões brasileiras. São bancos com forças e competências equivalentes. Além disso, a transparência do mercado é total. O que um faz, todos sabem. Uma novidade tem vida muito curta. Quem ganha é o cliente. Para nós, é um trabalho árduo, diário, que exige muita competência e respeito absoluto aos critérios de ética e boa governança. Não há espaço para erros nem acomodação. Ou seja, a competição é acirrada e de alta intensidade. Nesse contexto, o trabalho da comunicação é central. O espírito da comunicação mudou, acompanhando o espírito do nosso tempo. É um mundo sem tantos formalismos nem sobriedade exagerada. A ideia é que os bancos são parte de uma sociedade, respeita seus valores e acompanha seu ritmo, que hoje valoriza o casual, a diversidade, a tolerância, a informalidade e a transparência. O modo de trajar, por exemplo, é menos restritivo. Temos de nos preocupar em oferecer vagas de bicicletas em nossas unidades de trabalho. Aquela ideia do yuppie arrumadinho e individualista ficou no passado. Nós somos pessoas comuns, somos iguais ao cliente, temos propósitos de vida e seguimos as mesmas crenças de que é preciso construir um mundo melhor ao lado das comunidades com as quais interagimos. E a comunicação quer e precisa enfatizar isso e se inspirar nesses novos ventos.

M&M —  A instituição, assim como seus pares, tem braços distintos conforme o público-alvo. Por exemplo, o Bradesco atende a maior parte dos correntistas. O Bradesco Prime é voltado para clientes de alto poder aquisitivo, com atendimento personalizado. E, ainda, a área de private, que atende parcela específica de clientes especiais. Em função dos diferentes públicos, como tratar a comunicação para clientes que vão desde o trabalhador assalariado até o cliente de alta renda e manter a unidade da marca para todas essas faixas?

Lazari — O Brasil cresceu e se modernizou. Temos outro perfil, uma classe média numerosa, uma economia diversificada e uma base exportadora relevante. Nossa posição no mundo é respeitável. O tamanho do nosso mercado consumidor atrai grandes marcas. Ao mesmo tempo, a gestão de nossas empresas é comparável aos modelos dos principais mercados do mundo. Passamos por um ciclo de retração econômica, mas já passou e hoje a expectativa é da volta dos empregos e da renda. Essa mudança para melhor do perfil da economia brasileira ampliou a quantidade de cortes de renda dos brasileiros. Isso mudou o jeito de fazer o atendimento bancário. O banco precisa oferecer um atendimento específico de acordo com a renda e perfil de consumo do cliente. Cada estrato possui desejos e sonhos que são diferentes dos demais grupos. Muda o comportamento, muda o gosto. Nós, do Bradesco, nos preocupamos com a comunicação adequada para passar a mensagem correta para cada um deles. Nossas agências físicas estão estruturadas para receber cada perfil de cliente. O segmento Prime funciona com agências, cartões e identificações visuais próprias. O caminho será a segmentação e a subsegmentação, com o apoio dos algoritmos. E a comunicação seguirá falando de acordo com os valores e conceitos de vida de cada segmento. O fator de unidade de tudo isso é a marca Bradesco e sua crença de que banco é um negócio que faz sentido se puder levar o bem para as pessoas. É dessa forma que acreditamos que seremos o banco prioritário na vida financeira dos clientes.

M&M — Dado que a comunicação da empresa lida com um setor delicado como o financeiro, como o sr. define o papel do CMO dentro da instituição e qual é a importância desse profissional para a estratégia do banco?

Lazari — A nossa narrativa competitiva começa com o orçamento anual, que projeta metas, custos e oportunidades. Ele é estabelecido para dar previsibilidade à gestão. O aspecto subjetivo é uma peça importante por tornar tangível as métricas projetadas pelo orçamento. É aí que entra o trabalho do chefe do marketing. Ele é responsável por fazer com que nossas mensagens cheguem a cada perfil de cliente. Com um trabalho eficiente, o profissional do marketing induz demandas. Sem o marketing, não seria possível estabelecer metas e projetos de crescimento.

“Um dos aspectos que dão sustentação ao processo de bancarização é a educação financeira. Não se constrói inclusão bancária consistente sem a inclusão financeira do beneficiado. É como convidar alguém que não está com fome para almoçar. Ele se senta à mesa com você, mas não aprecia o prato oferecido”

M&M — O Bradesco contabiliza quase cem mil empregados. E a instituição tem uma forte relação de confiança em cada cidade em que está estabelecida, dado que, nas pequenas localidades brasileiras, centraliza a economia local. Por conta desse fato, quais são os projetos do banco em relação à sustentabilidade para a sociedade e também para as pessoas que trabalham na instituição?

Lazari — As qualidades que nos trouxeram à condição de empresa relevante para a economia brasileira não se resumem à capacidade de formular métricas e metas de desempenho financeiro. Temos a noção de que quanto maior a participação na economia, mais importantes nos tornamos no sentido de contribuir para transformar o País e suas futuras gerações.

De forma objetiva, isso significa dedicar tempo e recursos em atividades não diretamente relacionadas ao nosso negócio, mas aos diferentes públicos com os quais nos relacionamos. Todos querem viver numa nação próspera, de oportunidades na educação e oferta de trabalho para todos. E é consenso universal de que as empresas precisam fazer sua parte para um mundo melhor. Foi essa a fonte inspiradora para o nosso fundador, o sr. Amador Aguiar, criar a Fundação Bradesco há 62 anos, hoje, uma estrutura educacional de presença nacional e que oferece educação a mais de cem mil crianças, de forma gratuita. Desenvolvemos atividades de voluntariado, proteção ao meio ambiente, políticas de diversidade no trabalho, ações de inclusão financeira em comunidades carentes e projetos de educação financeira em todo Brasil. Quanto mais nos dedicarmos a construir um mundo melhor e mais solidário, mais nos tornaremos relevantes. É um processo retroalimentador e inspirador para todos os gestores da organização.

M&M — O Brasil elegeu o próximo presidente da República. O sr. pode comentar suas perspectivas para a política macroeco­nômica nos próximos anos?

Lazari — O Brasil tem uma agenda desafiadora. Sou positivo. Acho que o ciclo recessivo passou e vamos entrar numa perspectiva de crescimento. Há muitas oportunidades na economia brasileira, o que deverá continuar atraindo investidores e novos empreendedores. Nós, do setor financeiro, acreditamos no crescimento do crédito, principalmente voltado para o setor imobiliário, financiamento de veículos e linhas de consignado.

M&M — Assim como em vários segmentos, a área financeira se consolidou nos últimos anos e o Brasil tem cinco bancos que dominam o setor. Afora o surgimento das fintechs e corretoras que inovam (e são rapidamente adquiridas por esses mesmos bancos), como fomentar a concorrência entre bancos e aumentar a qualidade de atendimento, a inclusão bancária e facilitar o acesso ao crédito financeiro e imobiliário?

Lazari — O setor financeiro brasileiro é um dos pilares da economia brasileira. Sua solidez é reconhecida e a qualidade da governança dos bancos é uma referência mundial. Essa condição é resultado de três fatores principais: a supervisão reguladora do Banco Central, a qualidade dos gestores bancários e o acirrado nível de competição entre os principais bancos do mercado. A competição entre os bancos que formam o sistema brasileiro financeiro é das mais aguerridas em termos mundiais pela existência de cinco grandes instituições em pé de igualdade. Os cinco bancos disputam o mesmo mercado e possuem a mesma capacidade de trabalho. Os termos de negociação com o cliente são equivalentes, pois os preços estão balizados pela própria concorrência. E os investimentos em tecnologia são enormes em cada um deles. É frequente a visão de que falta concorrência no sistema. Recebo isso com serenidade, é legítimo opinar e criticar. Mas quem vive desse lado do balcão não tem sossego. Num dia estamos disputando um negócio com um grande cliente por milésimos de pontos porcentuais, no outro tem uma fintech nova prometendo um investimento melhor. E de repente surgem novas empresas com a oferta de maquininhas de cartão. Não reclamo, é a nossa vida, temos prazer em enfrentar novos desafios. Sou bancário do Bradesco há 40 anos e nunca vivi um dia de tédio, justamente por causa da concorrência e do espírito de competição que carregamos em nosso DNA. É isso que nos torna melhores, sou feliz com isso. A competição me faz sentir vivo.

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