NICOLAS FISCHER – Atuou como diretor de marketing dos negócios de Wella (P&G) no Chile, na Argentina, no Paraguai, no Uruguai e no Brasil. Foi presidente da BDF Nivea no Brasil por sete anos, de onde saiu, em 2012, para assumir a divisão de beleza da Hypermarcas. Exerceu a função por quatro anos até o negócio ser adquirido pela Coty, em 2016, tendo permanecido como general manager e responsável pela divisão de Consumer Beauty da companhia no País. É graduado em Administração de Empresas pela Universidade TU Berlim, na Alemanha, e tem MBA pela canadense Universidade British Columbia (UBC).

Há sete anos, Nicolas Fischer era CEO da Nivea no Brasil e estava feliz da vida batendo as metas de crescimento estabelecidas pela alemã Beiersdorf, dona da marca. Desde então, o cenário econômico brasileiro se tornou muito mais desafiador. Embora continue no segmento de higiene e beleza — um dos mais resistentes à crise —, em fevereiro de 2016, o executivo tornou-se CEO da francesa Coty no Brasil. E assumiu o posto num momento especial: globalmente, a companhia fazia a maior aquisição de sua história, ao obter mais de 40 marcas de beleza da P&G e, aqui, comprava a divisão de beleza da Hypermarcas (que Nicolas dirigia no País). Mesmo com a crise no mercado local, estava declarado o interesse da Coty de estabelecer efetivamente no Brasil uma estrutura forte. A companhia é a maior empresa de fragrâncias do mundo, com 40% de share e marcas como Calvin Klein, Gucci, Boss, Burberry, Tiffany e Lacoste, e também está entre as três maiores em maquiagem, com Covergirl, Maxfactor, Sally Hansen e Rimmel, aqui usada como sinônimo da categoria máscara para os olhos. Com faturamento de US$ 9 bilhões em 2017, a Coty tem ambição de desbancar da liderança a compatriota L’Oréal. Para isso, lembra Fischer, é preciso sair do convencional e desafiar as demais marcas, assim como, no âmbito de cultura organizacional, ser uma empresa disruptiva, pensar como startup, e incentivar o protagonismo das equipes.

 

Por ROSEANI ROCHA rrocha@grupomm.com.br
Fotos: ARTHUR NOBRE

Meio & Mensagem — A Coty surgiu com fragrâncias de luxo e, no Brasil, comercializava algumas delas. O que mudou na estrutura da companhia no País, desde 2016, quando comprou o negócio de beleza da Hypermarcas, com 22 marcas populares?

Nicolas Fischer — A aquisição das marcas no Brasil faz parte de um plano internacional da Coty, uma empresa centenária, fundada em 1904. Em 2015, a companhia fez um acordo com a Procter & Gamble e comprou suas marcas de beleza em nível global. Isso incluía marcas como Wella, Covergirl, fragrâncias Gucci e Max Factor, icônicas globalmente. O acordo envolveu todo o mundo, incluindo o Brasil, que sendo o quarto maior mercado de beleza do mundo, obviamente faz a empresa querer ter uma presença relevante aqui. Quando surgiu a oportunidade de comprar a divisão de cosméticos da Hypermarcas, com marcas como Monange, Bozzano, Risqué, Biocolor, Paixão — icônicas no Brasil —, a Coty viu que era possível estruturar no País uma plataforma robusta: marketing local, P&D, fábrica, centro de distribuição, uma estrutura de vendas e distribuição. Tivemos um tamanho adequado, grande escala e marcas como Wella e Adidas, que vieram da Coty antiga e da P&G. Falamos que 1o de outubro de 2016 foi o dia de fundação de uma nova empresa. Porque se juntou a antiga Coty, que tinha mais ou menos dez mil funcionários, com outra empresa de mais ou menos dez mil funcionários, e se criou uma companhia global de US$ 9 bilhões de faturamento e 20 mil funcionários. No meio desse processo, entrou a aquisição das marcas locais e infraestrutura que veio junto. O que mudou foi basicamente tudo (risos). Antes, a Coty que estava aqui era pequena. No começo, distribuía desodorantes, com as marcas Adidas e Playboy, e algumas fragrâncias. As fragrâncias de luxo a Coty trabalhava com um distribuidor local. Com operação própria, levamos fragrâncias de marcas como Katy Perry e Playboy para perfumarias e farmácias. Mas tudo ainda em pequena escala. Após a aquisição, a Coty se converteu, nas categorias em que atuamos — como desodorante, coloração, loções para corpo e produtos para barba, esmalte e produtos capilares — na terceira maior empresa do varejo, onde concorremos com Unilever, L’Oréal, P&G e Nivea. Temos, hoje, no Brasil três mil funcionários. Virou uma empresa bastante grande e robusta.

M&M — Como passaram a se organizar com tantas marcas?

Fischer — Foi criada uma nova estrutura, com três divisões. A divisão de Luxo, com fragrâncias, principalmente, e algumas marcas de skincare, como Philosophy e Lancaster, além de maquiagem Burberry, tem produtos que normalmente se compra uma vez ao ano, ou como presente, não é uma compra recorrente. Têm uma forma de vender, estão em todos os aeroportos do mundo, nas grandes lojas de departamento dos Estados Unidos, como a Macy’s. A segunda divisão é a de Professional Beauty, que atende principalmente os cabeleireiros. É uma conversa e uma forma de vender o produto mais técnicas. E a terceira é a minha área, Consumer Beauty, que vende os produtos para os consumidores que compram regularmente, para uso próprio. Hoje, Consumer Beauty é 45% do negócio da Coty. É a principal divisão, com marcas que vendemos em supermercados, farmácias, drogarias, perfumarias e pequenas lojas no País inteiro. Mas uma coisa que todas as divisões têm em comum é considerar que a consumidora moderna enxerga as marcas de maneira totalmente diferente. Não quer mais que a marca fale que seu cabelo tem de ser mais louro ou mais castanho. Você quer como você se sente bem. Além de uma borboleta como ícone, temos o slogan “Celebrate and liberate the diversity of beauty” (Celebre e libere a diversidade da beleza). As pessoas podem ser bonitas de qualquer jeito e são muito mais bonitas quando são autênticas. Nas campanhas que temos, no Facebook, Instagram, sempre valorizamos muito a diversidade. A Coty acredita que esse é o caminho do futuro, em tempos de internet. O mundo digital é muito mais individualizado, o padrão é cada um. Cada pessoa quer definir como quer ser. E talvez de um jeito num dia e de outro, em outro dia.

M&M — A aquisição das marcas de beleza da P&G custou US$ 12,5 bilhões. Li que isso abalou as finanças da Coty, porque era algo muito grande para digerir. Qual é a situação hoje?

Fischer — Nosso CEO global contou que essa foi a maior aquisição na indústria de cosméticos no mundo, então, é extremamente complexo juntar em todos os países duas operações de tamanhos parecidos e criar uma nova empresa, com uma nova cultura. Em algum momento, precisa ter os mesmos sistemas, os mesmos depósitos, a mesma nota fiscal que manda para um cliente, até a questão da forma como trabalhamos as marcas em diferentes categorias, o papel de cada uma delas. Todos ganham uma nova responsabilidade. Ao final, as coisas têm de se assentar. Já passou a integração, todo mundo já sabe o que tem de fazer, os sistemas estão numa plataforma global. Mas que foi um processo complexo, isso é claro. Estamos no meio de uma transformação, mas várias marcas globais foram relançadas, como Covergirl, Max Factor e Clairol. E a Coty olha em longo prazo, para avaliar se estamos no caminho certo para construir essa empresa que queremos construir.

“Estimulamos que as mulheres se atrevam. Não é um empoderamento, mas é confiar em si mesma e saber que se fizerem isso já vão tomar uma decisão certa”

M&M — A única fábrica que a Coty possui no País, em Goiás, está dando conta da demanda?

Fischer — É uma fábrica muito grande e versátil. Nela, fazemos basicamente todos os nossos produtos. Aliás, uma coisa no Brasil que nos diferencia de outros países é termos muitas marcas locais; representam grande parte do portfólio. Risqué é líder absoluta em esmaltes. Mas também fazemos coloração, hidratantes Monange, Paixão, fazemos produtos para barba e até gel de cabelo com Bozzano. São muitas tecnologias diferentes na fábrica. Quando recebemos as marcas da P&G, e Wella principalmente, tínhamos que importar os produtos do México e isso era oneroso. Rapidamente, ampliamos a fábrica que o Grupo Coty tem no Brasil e criamos um novo módulo dedicado à coloração. Em menos de um ano, praticamente construímos uma nova fábrica para dentro dela produzir tudo localmente. Temos uma plataforma muito boa e a estamos usando bem, ganhando participação, crescendo mais que o mercado. Nesse sentido, estamos bastante contentes com os resultados. E investimos constantemente. Relançamos nossa linha de protetor solar Cenoura & Bronze. A cada ano se adapta e se faz alguma coisa.

M&M — A expansão da Coty, global e localmente, continuará ocorrendo por aquisições?

Fischer — Aquisições também seguem uma agenda global. Teríamos de perguntar ao nosso CEO global. O que posso falar, estando aqui há dois anos e meio, é que a Coty fez essa grande aquisição das marcas da P&G, depois, da Hypermarcas, e quando começou a nova Coty, em 1o de outubro de 2016, já pouco tempo depois foi feita uma aquisição no segmento digital, com a Younique; depois, foi comprada a Good Hair Design, de appliances para cabeleireiros, depois a licença da Burberry. Na sequência, entramos num acordo com a Tiffany, para fragrâncias. Compramos os direitos da marca Escada, na Alemanha, uma marca de roupas. A Coty constantemente investe quando tem ­boas oportunidades. Obviamente, depois de uma aquisição do tamanho dessa da P&G, primeiro é preciso consolidar tudo e fazer funcionar.

M&M — A Younique atua em venda direta online. Pretendem explorar isso no Brasil também, já que se fala tanto no omni­channel?

Fischer — Uma coisa está clara hoje em dia: a consumidora é omnichannel. Mas omnichannel não é só venda, é também a comunicação com ela, como entramos em contato. Ela faz uma pesquisa online para depois ir à loja buscar o produto físico. Ou o contrário, vê na loja, depois compra em casa online. As empresas, daqui em diante, precisam saber como navegar e conectar não somente a parte da venda, mas também da comunicação e interação com as consumidoras. As que fizerem isso vão ganhar. Quando falamos em omnichannel, a visão às vezes é curta, porque só foca no onde ela compra. Mas envolve também onde busca informação. O Instagram talvez seja um canal de comunicação mais importante para o setor de beleza do que TV. É lá onde há tantos influencers e as marcas atuam. Risqué talvez seja, internamente, a marca mais avançada nisso. Fazemos muita comunicação online nos diferentes canais, mas também temos uma presença nas grandes lojas. Lançamos uma coleção Minnie Mouse, recebemos prêmio do Popai, como um dos melhores displays para ativar a coleção no PDV, e um do Facebook, como marca que consegue fazer o melhor engajamento online das consumidoras com o produto.

M&M — Empresas de diferentes setores têm feito esforços para promover a transformação digital de suas estruturas e contato com clientes. O que a Coty tem desenvolvido?

Fischer — O mais importante que isso requer é o mindset. Tenho mais de 50 anos e a forma de vender e interagir com os consumidores é muito diferente de quando entrei no setor. Continua mudando muito. É preciso criar uma cultura de organização que aprende constantemente qual é a direção. Nós falamos em “digitalize or die” (digitalizar ou morrer). Os consumidores jovens, não sentam mais em frente à TV esperando que apareça um comercial e a marca vá conversar com eles. É muito mais rápido e ágil, querem ver já no celular. Entendendo isso, é preciso organizar a companhia para que tenhamos nossas marcas na melhor forma para entrar em contato e engajar esses consumidores. Se ao final tiver uma venda, esse será o último ato. O engajamento vem muito antes. E-commerce é parte de tudo isso. É preciso digitalizar a companhia em todas as áreas. Em nível global, a Coty também comprou uma agência digital chamada Beamly. Temos aqui uma equipe de dez pessoas deles que dão apoio à nossa área digital. Ajudam a entender melhor como a consumidora navega na net, o que fala de nossas marcas e da concorrência. Vão otimizar nossa presença na internet. Não é fazer um filme bonitinho, mas trabalhar inteligência digital. E temos nosso e-commerce, mas estamos ligados a marketplaces como o Mercado Livre. E há muitos clientes tradicionais, off-line, que já vendem para consumidores online.

M&M — Marcas de fragrância historicamente usavam muito (e ainda usam) uma linguagem da sensualidade e, hoje, a indústria de beleza tem discutido novos olhares sobre a mulher e a diversidade. A Coty também está passando por uma atualização de discursos e práticas?

Fischer — Cada marca tem de ver obviamente qual seu posicionamento. Mas claro que nós da Coty temos nossos valores e propósitos. Monange, por exemplo, está hoje em dia muito apoiada no que chamamos de “o poder da intuição”. Estimulamos que as mulheres se atrevam. Não é um empoderamento, mas é confiar em si mesma e saber que se fizerem isso já vão tomar uma decisão certa. Esse é o posicionamento e não falar de sensualidade, de ser um objeto, agora é mais atitude. Cada marca vai achar seu caminho, que não é um só, porque as marcas também têm personalidades que precisam ser respeitadas. Outra coisa fundamental para o ecossistema no Brasil é que a consumidora brasileira é uma das mais exigentes do mundo, o produto precisa ser muito bem adequado para ela, a fragrância, a textura. No Grupo Coty temos um Centro de Pesquisas em Alphaville, Tamboré, que trabalha muito junto do time de marketing e com a fábrica e conversa com dezenas de consumidoras todos os dias. Está funcionando tão bem que conquistou o direito de desenvolver produtos para a categoria de bodycare para outros países do mundo. Virou um hub global.

M&M — Como está o desempenho de vendas no Brasil?

Fischer — Adoraria poder dar os números, mas não me deixam. Mas crescemos acima do mercado. A previsão da Abihpec é de 2% este ano, teve um decréscimo impactante nos últimos dois anos. O setor como um todo, há sete anos, crescia quase dois dígitos; para acompanhá-lo, como companhia, tinha de crescer dois dígitos. Para ganhar share, tinha de crescer, no mínimo, 15%. Esse mercado não existe mais. Hoje, está crescendo uns 2% ao ano. É muito mais difícil buscar grandes crescimentos porque, por um lado, a consumidora é mais exigente, com essa digitalização da sociedade, e, por outro lado, quando o mercado como um todo não cresce, a única forma de crescer é tirar dos concorrentes. A intensidade competitiva é muito maior em relação há uns dez anos. E com a situação econômica, novos canais têm aparecido. O cash & carry é o que mais cresce — Atacadão, Assaí etc. — porque o consumidor olha muito preço.

M&M — Um dos profissionais de marketing mais renomados globalmente, Marc Pritchard, da P&G, afirma que vivemos um momento de disrupção em massa. Concorda com ele e, se sim, como tem buscado, nesse contexto, organizar o trabalho de marketing e construção de marca da Coty?

Fischer — Sim, o marketing está mudando completamente. Há dez anos, grande parte da campanha era um comercial, que ficava um tempo na TV. O dinheiro gasto era com aquele filme, mais um pouco em print ou outdoor. Hoje, são poucas as revistas impressas, a TV também já não é o caminho, com a Netflix. Se quer comunicar sua marca, o que vai comunicar já muda completamente, a consumidora não quer ouvir o que você acha que está certo, quer achar o caminho dela, e a marca tem de ser como uma amiga com uma solução. E é preciso se comunicar constantemente. Em nossa marca mais emblemática, Risqué, temos mais de sete milhões de seguidores no Facebook e mais de dois milhões no Instagram, com níveis de engajamento altíssimos. É uma love brand. E isso faz parte, hoje, do trabalho de marketing. Também para marketing os clientes são muito mais exigentes. Todas as farmácias têm seus programas de fidelidade. Têm uma riqueza de dados sobre esses consumidores impressionante, querem que você ofereça o melhor produto para atender bem essa consumidora, e também querem se diferenciar umas das outras. Tudo está mais técnico, tem muito mais dados que precisa analisar. Então, ao profissional de marketing há dez anos a parte criativa era muito importante. Hoje, é muito mais analítico, lida com muito mais dados. Tem de ser muito mais do que apenas criativo. Claro que uma boa sacada ainda funciona, mas não é mais suficiente. É mais uma ciência e daí que agências como Beamly nos ajudam muito a entender melhor essa consumidora. Também trabalhamos com a Lew’Lara no posicionamento das marcas e, na parte digital, trabalhamos com pequenas agências diferentes.

M&M — A Beamly vai coordenar as digitais?

Fischer — Não, vai nos ajudar a entender o que tem que ser feito. Quem coordena é nossa diretora de marketing, Regiane Bueno, porque ela é responsável pelas agências e a Beamly é uma delas. O serviço que a Beamly presta é o de entender melhor o que a consumidora quer. Tem a ver em como traduzir isso aqui, que tipo de campanha e veículos. Também darão apoio à questão da mídia de performance. Precisamos ver como usar Inteligência Artificial para nossos produtos e no engajamento com os consumidores. A principal tendência vai ser comunicação via voz com todas as ferramentas. A Amazon lançou Echo e, na Europa, uma das primeiras empresas a trabalhar junto com a Amazon foi a Coty, que lançou programas específicos em que você conversa com Echo e pergunta que tipo de produtos pode usar para melhorar seu look. Isso foi feito com maquiagem. Tem um lado entusiasmante e outro meio assustador, quando se pergunta quais são as implicações da inteligência artificial, porque vai ser muito disruptivo.

“Uma coisa está clara: a consumidora é omnichannel. Não é só venda, é também a comunicação com ela, como entramos em contato. Ela faz uma pesquisa online para depois ir à loja buscar o produto. Ou o contrário, vê na loja, depois compra em casa. As empresas precisam saber como navegar e conectar não somente a parte da venda como também da comunicação.
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