Por Fernando Murad fmurad@grupomm.com.br

Fazer o supermercado. Ir ao banco. Comprar roupas. Reservar o hotel ou passagens de avião e ônibus. Assistir a uma série ou filme. Estudar. Chamar um táxi — ou um carro de aplicativo de caronas. A maioria das atividades cotidianas já está a um clique dos consumidores. Até mesmo a compra de um carro ou de um imóvel pode ser feita pela internet. O desenvolvimento de companhias como Airbnb, Amazon, Netflix e Uber, por exemplo, colocou em xeque a existência de empresas mais tradicionais — lentas nas respostas à evolução do mercado.

A transformação digital começa e termina pelo cliente”, diz Daniel Hoe, da Salesforce

Além de acabar com as barreiras entre mundo físico e digital, estes novos negócios entregam rapidez, flexibilidade, personalização e facilidade de uso. Acostumados a esse novo tipo de experiência oferecida por startups e marcas nativas digitais, os consumidores elevaram e muito seu nível de exigência — e não apenas em relação aos produtos e serviços diretamente ligados à tecnologia. “Os consumidores estão cada vez mais digitais. Para atender essa demanda, precisa passar pela transformação digital, que começa e termina pelo cliente”, ressalta Daniel Hoe, diretor de marketing da Salesforce.

Toda empresa tem cliente, independentemente do segmento, e as que almejam continuar disputando o mercado, estão buscando essa transformação. “A regra de ouro é: entenda o que é valor para o consumidor e entregue de forma continua. É fácil falar, mas só vemos as grandes empresas que estão dominando o mercado como Netflix e Alibaba entregando impacto de valor”, afirma Marcelo Trevisani, CMO da CI&T.

Segundo Gabriela Viana, diretora de marketing da Adobe para a América Latina, a principal demanda das grandes marcas é responder a um mercado consumidor fortemente conectado e que está consumindo experiências e não produtos. “Vemos com bons olhos a retomada dessa relação de proximidade e personalização no ambiente digital, pois hoje os consumidores querem ser ouvidos e, sobretudo, reconhecidos. Isso só é possível unindo muita tecnologia com muita criatividade”, aponta.

Mudança de cultura

Em 2016, a Cisco e a IMD lançaram o estudo Digital Vortex, que analisou como as empresas têm de se transformar para evitar o que aconteceu com segmentos nos quais startups entraram e marcas mais consolidadas não tiveram a competência de avançar e perderam terreno. “Se de um lado têm empresas com marcas fortes, grande base de clientes e receitas, do outro, as startups têm mais coragem e ousadia, menos a perder, são voltadas a inovação e usam ferramentas digitais de forma nativa. As startups têm sido mais competentes em se apropriar dos pontos fortes das grandes marcas. Elas devem se apropriar da inovação, da agilidade e experimentar”, ressalta Eugenio Pimenta, diretor do Centro de Inovação da Cisco.

Área do Centro de Inovação da Cisco, no Rio de Janeiro, voltada para o setor de telemedicina

Se há dez anos criar uma marca de produto ou serviço era muito caro e representava uma barreira, atualmente com as redes sociais uma entrante em qualquer mercado pode viralizar rapidamente. “O que o marketing fazia não funciona mais. O que levou a Coca-Cola até aqui, não levará mais. A certeza é a adaptação. 100% do processo precisa do CEO, do contrário a transformação não acontece. É uma mudança grande de mindset. Tecnologia é o meio, não o fim. Exige nova liderança. Trabalhamos com construção de fluxo de valor, com o consumidor no centro”, conta o CMO da CI&T, multinacional brasileira que atende Cielo, Coca-Cola, Itaú e Johnson & Johnson, dentre outras.

Considerado o novo petróleo pelo seu valor para as empresas, os dados são parte essencial da transformação digital. Mas Ricardo Barbosa, vice-presidente de estratégia digital & iX da IBM para a América Latina, vai além. “O conhecimento do consumidor, o dado materializado e relevante, definirá quem vai ganhar a briga ou não”, projeta. O trabalho da sua área junto aos clientes parte de entender os consumidores finais, como eles são — mais do ponto de vista comportamental do que demográfico — para desenvolver a jornada. A partir das análises, redesenha a cadeia de valor, fazendo o meio de campo entre a necessidade de negócio e o potencial da tecnologia. “A transformação digital possibilita fazer novas coisas ou a mesma coisa de forma diferente”, resume.

Ser digital, segundo Juliano Tubino, vice-presidente de novos negócios, mar-keting e digital da Totvs, tem a ver com pessoas, processos e ecossistema. Na primeira fase, a transformação era sobre automatizar processos, na busca pela simplificação dos negócios. Agora, é sobre como expor os processos da companhia para todo o sistema. “À medida que cada empresa vai fortalecendo cada músculo, o impacto é imediato no modelo de negócio. Faz melhor e cria negócios disruptivos que nem sequer pensava com as antigas modelagens. A transformação digital tem de ser baseada em negócio. Não é sobre tecnologia. Não faz sentido se não tem impacto”, explica Tubino.

A Totvs tem ajudado os clientes em algumas áreas: oferecendo uma camada de tecnologia que habilita as empresas a acessar funcionalidades sem mudar de protocolo (possui 3,5 mil clientes com essa experiência) e integrando tecnologias disruptivas (como inteligência artificial) nos processos já automatizados (a solução de gestão Bemacash, por exemplo, compara preços dos produtos que estão no sistema com o de estabelecimentos concorrentes da região). Esses algoritmos também fazem previsão de orçamento e vendas e cálculo de propensão de churn.

Mercado comprador

O crescimento do mercado de tecnologia da informação também tem aumentado o apetite dos players do setor. No primeiro semestre deste ano, o número de fusões e aquisições realizadas por empresas de TI apresentou crescimento de 17%. Ao todo, 55 operações foram concretizadas no Brasil, contra 47 registradas no mesmo período do ano anterior. Do total, 33 foram domésticas (entre empresas de capital brasileiro). Os dados são da pesquisa da KPMG realizada com 43 setores da economia do País.

No mundo, o mercado de tecnologia registrou a segunda maior aquisição, segundo a Bloomberg, com a compra da desenvolvedora de software Red Hat pela IBM por cerca de US$ 34 bilhões. A transação, a maior da história da IBM, foi anunciada na segunda-feira, 29 de outubro. A primeira do ranking é a compra da EMC pela Dell, em 2015, por US$ 63,7 bilhões. Com a Red Hat, a IBM passa a ser um player relevante na oferta de soluções em nuvem híbrida competindo diretamente com Amazon, Google e Microsoft.

Também em outubro, mas no Brasil, a consultoria Accenture confirmou a assinatura do acordo para a compra da New Content, agência brasileira de content marketing. A New Content passa a integrar o grupo de agências controladas pela Accenture Interactive. Com 11 anos de mercado, a agência tem mais de 200 funcionários e continuará sendo comandada pelos sócios-fundadores Giovanni Rivetti, Beto Feres, Edoardo Rivetti e Raphael Alcântara.

Um pouco antes, em maio, a Adobe anunciou a compra da plataforma de e-commerce Magento por US$ 1,6 bilhão. Já em setembro, a empresa confirmou sua maior aquisição, de US$ 4,75 bilhões: a plataforma de marketing focada em B2B Marketo. A multinacional brasileira CI&T, por sua vez, comprou, em agosto de 2017, a Comrade, especializada em estratégias e design de experiências digitais, com sede em San Francisco, na Califórnia. A agência agora usa o nome CI&T, e, em março de 2019, inaugurará uma sede 1,5 mil metros quadrados em Bay Area, também em San Francisco, no Estados Unidos.

Alta demanda

“O telefone está tocando porque as empresas perceberam que o caminho do digital não tem volta. É mais entregar solução do que empurrar produto. O campo de aplicação é infinito. Varejo, telecom, indústria pesada, bancos…”, destaca Ricardo, da IBM. Segundo o executivo, a área de digital da empresa está crescendo há alguns anos a dígitos duplos. “Cresceu de tamanho dezenas de vezes. É a materialização da transformação digital”, diz. Se no início os principais clientes eram as grandes empresas B2B, agora, a carteira está diversa, até com private equity e agências de publicidade digital — em busca de um motor tecnológico para gerar valor em campanhas. Volkswagen (desenvolveu com a montadora o manual cognitivo para o modelo Virtus com a tecnologia Watson — já disponível para Tiguan e T-Cross), Bradesco (Bradesco Inteligência Artificial – BIA) e Sicredi (conta digital Woop Sicredi) são alguns dos clientes da IBM.

O desenvolvimento deste mercado no País nos últimos dois anos contribuiu para que a operação do Brasil se tornasse country of the year da Cisco em 2017. “Somos cada vez mais procurados pelas empresas. O Brasil tem várias áreas de oportunidades de crescimento: financeiro, varejo, indústria. O agro está começando a colocar um pé. A prioridade dos CEOs era ser mais eficiente, reduzir custos e aumentar receita. Agora, é a inovação, como surfar a jornada da transformação digital. Primeiro, para se proteger da concorrência que nem está no radar”, conta Eugenio, da Cisco, ressaltando que as principais aplicações de tecnologia têm sido para transformar o relacionamento com o cliente, para melhorar eficiências operacionais e a colaboração entre as equipes. Um case recente é para a Petrobras e rede BR Mania que envolveu WiFi e câmeras para personalizar a sinalização visual das lojas de acordo com o público.

Praça Somos Totvers, na sede da companhia, em São Paulo. Para o VP de novos negócios, marketing e digital Juliano Tubino, empresas estão mais bem preparadas para capturar potencial do mercado

O aumento da demanda por trabalhos na jornada digital não é um fenômeno específico de uma área, de acordo Daniel Hoe. Passa por setores como educação, consumo, seguros, manufatura e varejo. A atuação da Salesforce no segmento foca as operações e venda, marketing e CRM, e iFood, Ticket Restaurante, Sompo Seguros e SulAmérica são alguns dos clientes. “O mercado está num momento ótimo. A empresa é top 4 das que mais crescem em venda de software empresarial no mundo por causa do modelo de negócio de assinatura. Somos obrigados a focar no sucesso do cliente. Como toda assinatura, se não está legal, ele muda.”

Em outro modelo, os clientes da plataforma de e-commerce da Totvs (Ciashop) pagam de acordo com a movimentação: quanto mais faturam, menos pagam. “Hoje se investe muito na questão de produto, na criação de uma experiência ideal, que faça sentido para o consumidor. Antes, se investia na automatização. Tem muita coisa a ser feita no mercado. O Brasil está vivendo um período positivo. Empresas otimizaram operações e estão mais bem preparadas para, num possível cenário de crescimento, capturar esse potencial”.

A Adobe, que atua com as soluções organizadas em três grandes nuvens, tem registrado crescimento anual de 24%, de acordo com o balanço global. As frentes de negócio são Experience Cloud (que concentra soluções de marketing), Creative Cloud (de criação de conteúdo, que inclui Photoshop, Illustrator, InDesign e Premiére, dentre outros), e Document Cloud (soluções de documentação e assinatura digital). A CI&T, por sua vez, tem avançado 30% ao ano, e 43% dos seus serviços são para mercados internacionais. “Somos a empresa que mais exporta do Brasil”, diz Marcelo. Um estudo da empresa classificou o mercado em relação ao nível de maturidade da transformação digital. O setor financeiro é o mais conectado, seguido de automóveis. Serviços e bens de consumo aparecem na sequência. O varejo foi considerado o mais atrasado.

Escritório da Adobe em São Paulo: empresa acumula crescimento global anual de 24% nas frentes de negócio Experience Cloud, Creative Cloud e Document Cloud

 

ANÁLISE

Dados serão ainda mais importantes na Era da Personalização

As tecnologias emergentes conti­nuam a acelerar o ritmo de mudança, tornando mais difícil para as empresas hoje permanecerem relevantes amanhã. As transformações que estão ocorrendo no comércio estão cada vez mais exigindo que as empresas gerenciem os relacionamentos com clientes de uma maneira muito mais direta do que poderiam ter feito há uma década. As companhias precisam estar presentes junto a cada consumidor individualmente, desde o primeiro ponto de contato até o ato da compra em todos os canais em que a interação possa ocorrer. As empresas são cada vez mais julgadas pela qualidade e pelo valor da experiência que proporcionam nesse mundo não linear.

Uma explosão do volume de dados sobre os consumidores permitiu que as marcas criassem relações indivi­duais mais facilmente com os consumidores finais, oferecendo experiências e recomendações personalizadas. Os dados terão um papel ainda mais crítico nas próximas décadas. Isso ocorre porque a sociedade está mudando o foco das massas para os indivíduos. Aproximadamente metade dos consumidores conectados globalmente deseja ser diferente dos outros, de acordo com a pesquisa Lifestyles Survey, da Euromonitor International, realizada em 2017. Esse desejo é mais alto entre o público mais jovem, com quase 60% dos millennials e da geração Z concordando em expressar esse sentimento.

Neste contexto, muitos dos avanços dos próximos 20 anos serão focados no aprimoramento da personalização. Em outras palavras, trata-se de atender às necessidades dos consumidores de maneira mais eficaz e eficiente. Isso pode se tornar um ponto de diferenciação para as marcas de sucesso. Empresas que desejam desenvolver estratégias de personalização precisarão acessar uma quantidade crescente de dados de uma ampla variedade de fontes. As origens diversas desses dados e a evolução sobre o trabalho de coleta de dados, no entanto, representam grandes desafios nas próximas décadas.

Comunicação próxima

Num mercado essencialmente B2B, o esforço de marketing das empresas de TI busca se aproximar dos clientes seja em eventos, visitas e demonstrações de soluções, seja na produção de conteúdo personalizado de acordo com o público — desenvolvedores, clientes, público interno. “Com os maiores clientes, temos contato direto. Exploramos as oportunidades. Trazemos para o Centro de Inovação para demonstrar, abrir a cabeça e testar a tecnologia no dia a dia. Também participamos dos principais eventos”, conta o diretor do Centro de Inovação da Cisco.

Além de realizar eventos, a Salesforce investe na presença online, tanto com conteúdo no blog e website, quanto com experiência guiada pelas soluções no site. “Temos uma comunidade de usuários forte, os trailblazers, algo orgânico, que faz encontros, debates, competições de caso de sucesso. Eles nos provocam, dizem onde melhorar, fazem a empresa avançar”, comenta o diretor de marketing.

A disponibilização de conteúdo, além dos eventos, também integra a estratégia da CI&T. “Trazemos um trabalho B2C para o B2B. Entendemos a dor do cliente e entregamos conteúdos específicos, como vídeos ou infográfico”, explica o CMO da CI&T. A Totvs, por exemplo, remodelou seu site recentemente, estruturando canais pela jornada da audiência, que podem levar a agendamento de visita, down­load de material, criação de pilotos ou outras formas de conteúdo. “Os desenvolvedores precisam de mais conteúdo interativo, informações técnicas e referências. Temos eventos presenciais e transmitidos ao vivo pelo YouTube, com audiência na casa dos milhões”, fala o vice-presidente de novos negócios, marketing e digital.

Situation Wall da CI&T: 43% dos serviços da multinacional brasileira são feitos no exterior

A própria jornada digital das empresas de TI é um cartão de visita para os clientes. A Adobe, por exemplo, reinventou seu negócio, deixando de ser vendedora de softwares no mundo físico para atuar com o modelo de assinatura na nuvem (cloud computing) — estratégia de players totalmente digitais e de sucesso que sacudiram seus setores de atuação como Netflix e Spotify. “Essa foi uma expressiva mudança no modelo de negócios, que agregou muito valor para os usuários em termos de tecnologia e inovação. Agora, além da possibilidade de colaboração, usuários têm acesso imediato às atualizações dos nossos produtos, além de uma série de funcionalidades no mobile”, explica Gabriela, da Adobe.

“Fomos cliente zero de nós mesmos e isso faz diferença quando apoiamos nossos clientes. Sabemos que não é uma transformação trivial. Tivemos de transformar nosso próprio negócio, o que acredito que nos coloca em posição de falar de transformação com nossos clientes. A Adobe é considerada um case de sucesso e objeto de estudo em grandes universidades americanas, assim como é usada como exemplo de migração para nuvem bem-sucedido”, complementa. A SAP é outro exemplo. Deixou de ser uma empresa que olha só o backoffice, para trazer um composto de soluções para ajudar os clientes nos desafios da transformação digital (leia mais à pág. 46).

A estratégia de marketing da Adobe inclui, ainda, eventos como o Experience House (realizado em agosto, discutiu a tecnologia aliada ao marketing), no Brasil, e o envio de delegações de executivos brasileiros ao Adobe Summit e Adobe MAX fora do País. Recentemente, lançou com Lima Consulting e Stefanini/Gauge, em parceria com a agência Memo, uma campanha estrelada pelo Porta dos Fundos. Sob o conceito “As suas ferramentas de marketing podem ser da idade da pedra. E você nem desconfia”, os comerciais exemplificam cada uma de suas três soluções.

Metodologia

A Euromonitor International é uma empresa global de pesquisa e consultoria sobre o mercado de bens de consumo e serviços. Com sede em Londres, tem mais de 40 anos de atuação no fornecimento de inteligência de negócios e análise estratégica de mercado para empresas em todo o mundo. Oferece soluções de pesquisa customizada e publica anualmente informações sobre desempenho e tendências de 30 setores em até 100 países, além de agregar dados demográficos e socioeconômicos de países e consumidores em 210 países.

Mais informações em: www.euromonitor.cominfo-brazil@euromonitor.com

 

 

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